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Breve memória de um homem barbado (3)

VII.

Assumi a barba nos anos 80. Já era trintão e o mundo já não prezava tanto assim os carinhas raspadas. No Brasil, a gente começava a viver firmemente os bons ventos da redemocratização – e um certo sindicalista barbudo meteu a boca no trombone e, de forma surpreendente, mostrou que caminhávamos para novos tempos.

Também por essa época – talvez, um pouco depois, entre 86 e 87 – fez muito sucesso um filme incandescente, Nove Semanas e Meia de Amor. O protagonista, o ator Mickey Rourke, vivia intensos ralas-e-rolas com a lindíssima Kim Basinger.

Vou lhes contar. Era de fazer inveja a qualquer Dom Juan de periferia. O tipo dava pinta de não estar nem aí com a vida e os compromissos e, nas horas vagas (quase todas, diga-se) dava uns sapecas legais na loiraça. De quebra, exibia o que se convencionou chamar de “barba de três dias”, bem ralinha, tipo “não fiz hoje, quem sabe amanhã eu faço”.

VIII.

Explico logo que citei os exemplos acima só para registro histórico.

Não foi nenhum desses modelos que me inspirou.

Tinha mesmo – como disse em crônica anterior – preguiça de enfrentar o espelho e o barbeador diariamente.

Ademais, havia bem perto da Redação uma velha barbearia, capitaneada pelo então setentão Abílio, onde quinzenalmente eu dava as caras para aparar os pelos do rosto e ouvir suas histórias de antigamente.

O Abílio era uma figuraça. Nem sei onde anda e se continua firme e forte na lida na pequena portinha, na rua Bom Pastor.

Acabei ficando amigo do ‘bom malandro’ e até pautei uma repórter para entrevistá-lo quando completou 50 anos de profissão, sempre trabalhando no mesmo lugar.

IX.

Quando embiquei nos “enta”, a barba deu uma clareada geral.

Me envelhecia pra caramba – e tudo que um cara de quarenta não quer é parecer que tem sessenta.

Como não conseguia viver sem ela, o que fiz?

Não, gente, quem disse “tingiu” enlouqueceu.

Ninguém merece ‘acajuar’ a própria barba.

Há que se ter uma certa dignidade aí.

O que fiz foi adotar o cavanhaque, onde alguns fios pretos resistiam bravamente.

O quê?

Se foi por essa época que os livros do Paulo Coelho explodiram em vendas e o cara virou figurinha fácil na mídia, com seu indefectível cavanhaque?

Foi. Acho que foi.

Mas, não tem nada a ver uma coisa com a outra.

Cada um com seu cavanhaque, seus truques e suas magias.

*amanhã continua