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E o Brasil perde sempre…

01. Não há como não se indignar com notícias iguais a que narro a seguir e que, infelizmente, são freqüentes no dia-a-dia de nossa gente. Enquanto 12 milhões de aposentados recebem mensalmente um salário mínino, há casos no próprio INSS de provimentos mensais da ordem de 36 mil reais. São as chamadas aposentadorias especiais com legislação própria e que, conforme noticiário da semana, beneficiam ex-combatentes e suas pensionistas e também dos anistiados. O mais grave é que a Lei 5.315, ao tentar definir o que é um ex-combatente, estendeu o benefício a quem nunca esteve na guerra. Decisões judiciais também elevaram esses rendimentos ao incorporar conquistas salariais obtidas em outras áreas de trabalho, inclusive após o período nas Forças Armadas. Para o anistiado, vale o exercício de imaginação: o valor do benefício é calculado supondo-se o salário que poderia alcançar se tivesse continuado na função que exercia e que perdeu por motivos políticos.

02. Quando um caso desse vem à tona, não fica difícil imaginar: trata-se apenas de uma das pontas do iceberg. Se pudéssemos investigar a fundo os meandros da máquina estatal, é muito provável que encontraríamos outras tantos casos como esse que levam o homem comum ao desencanto e o nosso erário a bancarrota. O Governo fala e anuncia medidas de controle ao déficit público. Mas, sequer tem instrumento próprio para enfrentar tais desajustes. Existe uma jurisprudência que disciplina a questão e arrastaria a pendência por anos e anos nos tribunais, sem que se tenha qualquer certeza de vitória.

03. Esse, aliás, é um dos tantos entraves ao Brasil que se pretende contemporâneo. Sempre que se mexe nos privilégios de uma minoria, abre-se um debate nacional, contraproducente e inócuo, entre o que é justo, o que é ético e o que é real. O corporativismo, no Brasil, é draconiano; não permite qualquer mudança ao pré-estabelecido. Os tais direitos adquiridos ditam as regras e dão o tom. Quem não está a favor é considerado inimigo. E os grupos de interesses fomentam a confusão para que, ao fim, tudo fique como está. Com as vantagens pendendo para um lado só e, inevitavelmente, contra a maioria.

04. A questão da reeleição é um exemplo bastante ilustrativo desse jeito brasileiro de confundir para não explicar — e alguém levar vantagem. Estabeleceu-se a polêmica. Mas, não se escuta qualquer tipo de argumentação que defenda os prós e contras para a Nação. As correntes antagônicas — na verdade, podem ser afins — discutem a reeleição, com base no presidente Fernando Henrique Cardoso. Se ele deve ou não ser reeleito. Quem é a favor diz que a emenda da reeleição é fundamental para o futuro do País. Quem aposta em outro nome passa para a oposição. Diz não à reeleição, fala em plebiscito e em estudar mais detalhadamente o assunto. E tudo continua como está. Uns ganham tempo — e não se resolve causas mais essenciais — e o Brasil perde sempre, inexoravelmente…

05. Lembro que, quando se elegeu a bancada constituinte em 86, era comum citarmos os países desenvolvidos que fundeavam suas instituições na longevidade da sua Carta Magna. Era o que sonhávamos para nós. Uma Constituição respeitável em que pudéssemos assentar o Brasil do terceiro milênio, com esperança e nossa inequívoca profissão de fé. Dois anos depois, Doutor Ulysses proclamou o documento e todos imaginaram ingressar numa nova era. A revisão constitucional, que viria três anos depois, não aconteceu e ainda se arrasta, como um fantasma capenga, pelos corredores do Planalto. Hoje, aliás, já se ouve comentários — dos porta-vozes dos tais grupos de interesses — que nossa Constituição é um mostrengo, feito a toque de caixa, que emperra o desenvolvimento do País. Falam em mudar tudo. No entanto, sempre que se cobra um maior rigor das instituições brasileiras, eles próprios citam as nações desenvolvidas como exemplo. E dizem que lá, no Primeiro Mundo, as constituições existem há séculos, sem qualquer alteração. Por isso, merecem respeito. Dá para entender? Por que, então, na nossa Constituição, querem mexer dia sim, dia não?

06. Para se ter idéia do absurdo a que chegamos, em 93, o País correu o risco de voltar à monarquia no histórico plebiscito que reiterou o presidencialismo como forma de governo. Três anos depois, retomamos o debate, só que o tema de momento é a reeleição. Enquanto isso, nossos verdadeiros problemas — saúde, habitação, reforma agrária, educação, controle dos gastos públicos, apoio a micro e pequena empresas, desemprego… — continuam à espera da solução definitiva, sempre adiada e preterida.