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Mozart por testemunha

É um senhor pra lá dos 70, e caminha sozinho pelas ruas de Viena.

Um turista, por certo. Com uma jaqueta larga de grandes bolsos, repletos de mapas e um volumoso guia da cidade. Completam o figurino o chapeuzinho desses moles enfiado na cabeça para protegê-la do sol e a indefectível máquina fotográfica pendurada no pescoço.

Mais turista que isso, impossível.

Aproxima-se lentamente de onde eu estou, em frente à estátua de Mozart em um dos tantos parques do Centro Histórico da cidade. Senta-se no banco ao meu lado e só, então, posso perceber que ele tem as feições de Rubem Braga, o Sabiá da Crônica brasileira.

Fico mais apatetado do que já sou.

Nunca estive sequer a um quarteirão de distância do saudoso jornalista e escritor.

Mas, o conheço desde a infância.

Um dos professores (não consigo me lembrar do nome) leu para a classe do quarto ano primário uma de suas crônicas que falava da véspera de São João em Recife. Fiquei encantado. O auor conversava com o santo e parecia que a gente magicamente participava do diálogo. Não sei se porque estávamos em junho, me senti próximo do que aquele texto dizia. Era um jeito bom de escrever que em nada se assemelhava às narrativas formais que éramos obrigados a ler e analisar na Antologia Portuguesa, livro que nos servia de base para as aulas de Português e, acreditem, Oratória.

Retomei a leitura de Rubem Braga anos depois, no cursinho pré-vestibular, e para a sempre.

Tenho todos os seus livros – e os releio sempre que posso.

Alguns trazem fotos e autos-retratos que revelam como Rubem Braga era em diversas fases da vida.

Essas imagens vêm agora à minha mente – e eu mal consigo tirar os olhos do desconhecido que, indiferente aos meus devaneios, continua a consultar o guia que tem às mãos.

Bem que poderia ser o Grande Braga, penso.

Se fosse, como me apresentaria e o que lhe diria?

Talvez pudesse lhe deixar com certo peso na consciência:

— Aquele professor e o senhor têm parte de culpa pelas bobagens que escrevo.

Que petulância, a minha. Sou mesmo um sem noção.

De repente, como um amigo de longa data, o simpático senhor me pergunta num inglês afrancesado (que só entendi porque não domino nenhum dos dois idiomas) se preciso de ajuda. E me oferece o guia para consultá-lo.

Agradeço como posso e, como posso, tento lhe dizer que mais tarde pretendo ir a Schönbrunn com um grupo de amigos que, aqui, vivem.

Ele dá de ombros e se despede em tom amável:

— Au revoir, monsieur.

Eu não deixo por menos, capricho na pronuncia e mando ver:

— Au revoir, Sr. Braga. Sou seu admirador.

** FOTO NO BLOG: Viena (arquivo pessoal)