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O jornalista e o sonhador *

Foto: Reprodução

Sigo com minhas reminicências…

50 anos de jornalismo, creio, merecem o registro e o reconhecimento.

Não haveria o Blog se não houvesse o jornalista.

Não haveria o jornalista se não fosse alguns luminares que lhe deram régua e compasso para entender o mundo e a profissão que, até algum tempo atrás, envergava as honrosa legenda de “historiador do cotidiano”.

Hoje quero fazer uma referência/homenagem a dois dos pilares da minha modesta trajetória.

Marcão e Zé Jofre.

O jornalista e o sonhador

Quando aportei na redação de piso assoalhado em março de 74, o AI-5 já fizera estrago de montão em diversas áreas importantes de vida brasileira. A universidade e o jornalismo eram duas das frentes mais afetadas. Estudava na USP e ali já sentira que a barra andava pesada, e que não havia escrúpulos nem limites para os caras. Mas, foi no pequeno-grande jornal de bairro que pude conviver com duas figuraças que sofreram as conseqüências mais diretas do tacão do arbítrio.

Marcão e Zé Jofre andavam pela Gazeta do Ipiranga, mas estrategicamente distante da redação.

Os dois já haviam trabalhado em diversos jornais paulistanos, onde não tinham mais espaço.

Eram cartas marcadas.

Foram militantes do Partidão e agora tocavam sua vida por ali, sem chamar muita atenção.

Marcão era uma espécie de consultor da gente.

Todas as broncas que surgiam levávamos para ele. Que não só resolvia as paradas como nos ensinava o caminho das pedras.

Tinha uma longa estrada como jornalista e boêmio.

Fazia textos belíssimos.

Juntava os assuntos da semana numa crônica bem-humorada e demolidora.

Nós líamos e depois devolvíamos os originais para que ele os destruísse.

Antes que reclamássemos, ele, malandro que era, já avisava:

— Não é esse o caminho, meus caros. Os milicos estão de olho na gente. Vacilou e fecham nosso jornal. E aí?

Para o Marcão, o caminho era reorganizar a sociedade que, àquela época, estava esfacelada e começava a despertar da enganosa euforia do “milagre econômico”.

Neste sentido, considerava que a imprensa regional exercia um papel preponderante.

Seria um dos instrumentos de união das pessoas, especialmente as que moravam na periferia de São Paulo.

Os novos bairros – chamados de vilas e jardins – cresciam vertiginosamente, se urbanizavam e ganhavam vida própria. Logo surgiriam as entidades representativas, os clubes de serviço, as associações de moradores, os movimentos populares da Igreja, entre outras manifestações.

Se os jornais de bairro soubessem representar essa gente, estariam cumprindo sua função social.

Marcão dizia que era fundamental que o jornal e a região se desenvolvessem juntos e juntos amadurecessem o projeto da redemocratização do País.

Foi exatamente o que aconteceu em pelo menos cinco ou seis grandes regiões de São Paulo que tinham jornais de bairro fortes: Ipiranga, Santo Amaro, Pinheiros, Zona Norte, Vila Prudente e Lapa.

– Nossa função é dar voz e vez a toda a gente.

Sábias palavras.

Zé Jofre era gráfico, de origem. E mais esquentado por natureza.

Cearense arretado, gostava de repetir o bordão “patrão bom nasce morto”.

Escrevia longos artigos num caderno espiral que depois colocava em discussão com a gente.

Desconfio que se divertia com a tola arrogância e ingenuidade da nossa juventude.

Cuidava da distribuição do jornal, com esmero e disciplina.

— Se o jornal não chegar nas mãos dos leitores, como vamos fazer a revolução?

Marcão era mais jornalista; Zé Jofre, o sonhador.

Foram fundamentais para o meu jeito de tocar a vida e os sonhos.

TRILHA SONORA – 1974

*Sobre os mesmos personagens

* Marcão e Zé Jofre – abril de 2002

* A lição do Zé Jofre – novembro de 2008

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