Sign up with your email address to be the first to know about new products, VIP offers, blog features & more.

O livro de Quintana e a aula de Oratória

Posted on

Foto: Arquivo Pessoal

Tinha 22 para 23 anos.

Era auxiliar de direção do Grupo Escolar Jardim Moreira.

Pela manhã, estudava no curso de jornalismo da ECA/USP.

Batia, com algum cansaço, que ninguém é de ferro, oito coletivos por dia.

Logo pela manhã, seguia do Ipiranga ao bairro de Pinheiros, de Pinheiros à Cidade Universitária – ida e volta (4 ônibus).

Almoçava em casa (que a grana era curta).

Saía às presas para a outra jornada. Do Ipiranga ao Jardim da Luz. Depois de atravessar o parque, esperava-me outro busão até a periferia de Guarulhos, no bairro do Jardim Moreira. Ida e volta (mais 4).

Foi minha rotina por ano e tanto.

Era brabo?

Talvez fosse, mas aos vinte anos, o corpo aguenta bem a essas e outras peripécias.

Lembro o meu corre naqueles idos a partir de um livro sobre a vida e obra do poeta gaúcho Mário Quintana (1906/1994) que encontro num sebo perto e casa.

Quintana é admirável – e, digamos, que sempre me inspirou.

Pela bagatela de 10 reais, levo para casa “Mário Quintana, vida e obra”, organizado por Nélson Fachinelli, publicado em 1976, no estado natal do poeta e do organizador, o Rio Grande do Sul. O livro tem apresentação de Érico Veríssimo, participação de vários autores-admiradores da obra de Quintana que, naquela data, completava 70 anos de vida e poesia.

O exemplar pertenceu originalmente, creio, a Luíza Ap. S. de Lima que, caprichosa, fez questão de deixar sua assinatura logo na primeira página.

Fico a imaginar quais os caminhos que o livro, com páginas amarelecidas pelo tempo, tomou até chegar a um pequeno sebo nos confins de São Bernardo do Campo.

Enfrentou um périplo de conduções, como eu?

Ou não?

Veio de boa ou sob os curiosos olhares da sua, imagino, primeira dona?

Enfim, e a propósito…

o que tem a ver meu tempo de professor auxiliar de direção numa escola de Guarulhos e o livro de Quintana?

Explico a memória, amigos leitores.

Tem um poema que se chama O Caminho que me fazia resignada companhia nas jornadas daquele começo dos anos 70.

Eu o sabia de cor – e o reencontro agora às páginas tantas do livreto.

Diz o poeta:

Passa o Rei com seu cortejo.

Passa o Deus com seu andor.

E milênios depois, neste caminho, apenas

Ainda sopra o vento nas macieiras em flor.

Mas, há outro motivo. Outra lembrança.

Um pecadilho meu, confesso.

Então, podem sentar, por favor, que…

… lá vem história.

O professor Luiz, da disciplina de Língua Portuguesa, lá no Jardim Moreira, propôs aos alunos que se dividissem em grupos e preparassem uma poesia para declamar na frente de toda classe.

Seria um jogral. Ou quase isso.

Os alunos estranharam. Não era propriamente a especialidade de nenhum deles.

Ficaram ansiosos, preocupados.

Foram me procurar na direção.

Como eu poderia ajudá-los. Achavam-se próximos a mim, talvez pela minha pouca idade, não sei.

Sei que, no dia seguinte, levei para eles uma antologia de Mário Quintana, repleta de poemas de versos curtos, singelos, contundentes.

Deixei por conta deles a escolha.

Dias depois, soube que a aula de Oratória do prof. Luiz transformou-se em requintado festival a reverenciar a poesia de Mário Quintana.

Foi o que ouvi do próprio prof. Luiz, algo surpreso, ao relatar a experiência a seus pares na Sala dos Professores.

Estava indeciso. Ele não sabia como avaliar os grupos que se apresentaram, com poemas curtos.

Tipo:

Dai-me a alegria

Do poema nosso de cada dia.

Alguém comentou que ele, professor, deveria selecionar poesias de longos versos, várias escolas literárias e autores diversos, a serem apresentadas – e sorteá-las entre os alunos.

Começou um debate entre os professores. Uns, a favor. Outros, contra a ideia.

“Poesia é sentimento”, disse uma professora. “Não dá para impor a quem quer que seja.”

“Mas, que houve sabotagem da minha aula de Oratória, houve. Mas, quem faria isso?” – perguntou o professor algo desconfiado.

Preferi sair à francesa, discretamente.

A disfarçar minha sincera cumplicidade.

TRILHA SONORA

1 Response
  • Veronica
    30, agosto, 2025

    Vc saindo à francesa? Não acredito.

Deixe um comentário para Veronica Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verified by MonsterInsights