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O que o tempo leva… (5)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA(Foto: Arquivo Pessoal)

Então…

Não veio o café.

Não veio o bolo.

Olham como se eu fosse o incômodo samambaia da vez.

É a eterna má vontade dos que se julgam a elite dominante sobre nós, o povo humilde.

Olaiá…

Quem vem falar comigo é Senhora Coordenadora de Eventos (vou grafar assim mesmo em caixas altas e baixas para não dar intimidade).

Intuo o que vai me dizer.

Que a visitação pública na conceituada Pousada Estrela dos Boêmios (embora possua um belo e criativo nome) tem um protocolo de visitação que obriga o hóspede a fazer ao menos um dos passeios sugeridos e catalogados.

Como assim? Obriga?

Até arrisca umas palavras na língua de Dante – caro mio, paesaggi meravigliosi, siamo tutti amici e tarantela e mussarela com sardela e outras mais.

Só falta cantar Bella Ciao pra me convencer.

Pensa que io sono italiano, e pazzo.

Fazer o quê?

Não desfaço o engano.

Respondo apenas que está tudo bem.

Só quero desfrutar o lugar.

Para mim, tudo o que tenho aqui – sol, cenário, natureza e o escambau – já está de bom tamanho.

Prometo não mexer em nada. Sequer sair do lugar

Ficar quietinho ao sol da manhã, lagarteando.

Explico que é o meu jeito de aventurar-me.

Conto a ela que, certa vez, há alguns muitos anos (mais do que eu gostaria de admitir, repito,) fui com familiares ao Museu de Van Gogh em Amsterdã, Holanda.

Manhã gelada de um sábado invernoso. Sei lá quantos graus negativos.

Chegamos ao Museu, belíssimo, havia uma longa espera para entrar.

Fomos para o fim da fila, resignados, encapotados e ansiosos.

Olhei nos arredores e vi um imenso parque, coberto de neve e repleto de gente andando pra lá e pra cá. Ninguém estava nem aí com o branco cobrindo tudo, com os rigores do frio, com o ameaçador céu cinza chumbo.

Crianças brincavam.

Os pais, orgulhosos, sorriam.

Casais namoravam de mãos (luvas) dadas.

Moleques jogavam futebol – enfim, e por fim, a vida, como nunca imaginei antes, simplesmente acontecia. Linda e pulsante.

Havia até uma bandinha a tocar uma polcazinha alegre num coreto em forma de concha acústica.

Não resisti.

Desisti das telas e da genialidade de Van Gogh e fui passear no parque. Para espanto da nossa comitiva.

Sentia-me assim, digamos, dentro da própria tela. Sem tantas cores, claro; mas igualmente encantadora.

Ninguém entendeu.

Eu também não.

Mas sequer me arrependo.

A Senhora Coordenadora de Eventos mostra-se até pacienciosa ao ouvir o meu relato/ladainha. Continuou irredutível, porém.

– Entendo, mas o nosso protocolo…

Quem intercede por mim – e me salva – , adivinhem?, é o Filósofo, aquele tal fraseador:

– O importante não é o destino. É a viagem.

Falou e disse e continuou:

– Se ele quer viajar pra dentro de si, deixe ficar. Meu compadre, o Tio Carlos, lhe fará companhia. Ele gosta de prosear. Tenho certeza que os dois vão se entender, os dois são das artes.

Tento explicar que mal e mal arrisco enfileirar uma letrinha atrás da outra, sou jornalista. Mas, o Filósofo está com a poesia na ponta da língua. Afiado que só:

– E se o tanto que busca, só existe em sua loucura, o que se nos importa?

Achei chiquézimo o ‘o-que-se-nos-importa’.

Mas, fico na minha.

Vi que a Senhora Coordenadora bambeou, e o protocolo já era.

O Filósofo é bom mesmo no frasear.

Antes de se retirar, vira-se para mim, faz positivo com o polegar direito e me tranquiliza:

– O Tio Carlos é bacana. O Tio Carlos é legal.

Ainda nenhum comentário.

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