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O sorveteiro e os meninos

Não escrevo este post para culpar o homem, menos ainda os meninos.

Se eles agem assim, é triste, eu sei, mas é porque assim a vida os ensinou a ser.

Um triste retrato deste Brasilsilsil.

I.

Foi há dois anos em Maceió. Não lembro o nome da cidadezinha que fomos visitar. Mas, não tem importância. Era um daqueles passeios convencionais que todo turista faz quando está por ali. A paradisíaca praia, também não lembro nome, é a atração dos bacanas. Repete o cenário tão comum no nordeste brasileiro. Alguns restaurantes para receber paulistas, cariocas, mineiros, gringos. Poucos estabelecimentos comerciais que vendem para os mesmos artesanatos e produtos típicos. E, se esticarmos os olhos pelos arredores, uma pobreza só.

Uma figura se destaca nessa paisagem. Aliás, duas.

Os sorveteiros e os meninos.

Há o calor abrasador que colabora para o esquema – mas, ao que me consta, este é característico do local, e ainda não foi corrompido.

II.

A jogadinha é simples.

Chegam a turbas de turistas em ônibus, em vãs ou em carros particulares. Os sorveteiros se posicionam estrategicamente para ficar em nosso caminho.

E aí. É inevitável. O homem anuncia o produto, geladinho, de frutas típicas. A garotadinha nos rodeia em bandos também a pedir sorvete. Custa um real. Tão pouco. Estamos de férias, felizes, sem lá grande controle da grana. Que, de resto, não vai nos fazer falta alguma. São crianças estão ali. Somos generosos e tal…

Compramos.

Para eles e para nós, que não somos de aço.

III.

O menino ou menina pega o sorvete e sai correndo. Aparentemente tão felizes quanto qualquer garoto da cidade quando ganha um picolé.

Nós seguimos nosso caminho para a praia. Vamos saboreando os tucupis e os tacacás da vida, crente que somos “os caras”. Alma lavada pela solidariedade e enxaguada naquele belíssimo mar de águas verdes.

Quanta ingenuidade, a nossa.

IV.

Assim que ficam desertas as ruelas que beiram a praia, a garotada reaparece. Trazem os sorvetes intactos, ainda na embalagem, e devolvem ao sorveteiro que os coloca outra vez no isopor com gelo. Serão revendidos na próxima leva de turistas ou mesmo quando nós, otários, cansarmos de brincar de bacana e voltarmos da praia.

O ir e vir dos garotos lhes rende uma moeda de 5 centavos por ação – e nenhum sorvete no fim do dia.

V.

Mesmo sabendo da trapaça, não consigo condena-los pelo “cambau” que dão nas sorveterias – que paga uma mixaria pelo trabalho do sorveteiro – e nos incautos turistas, que enfim nada perdem.

Mas, nem sei o porquê lhes conto isso hoje.

Talvez para não falar da jovem que ficou nove anos encarcerada.

Ou dos 4.500 trabalhadores rurais que viviam escravizados em fazendas no Pará.

Ou do brasileiro que teve o corpo inteiro marcado a ferro quente porque tento fugir de uma dessas fazendas.

VI.

Talvez porque todas essas situações refletem um triste retrato deste Brasilsilsil. Um retrato que – nós, os privilegiados – fingimos não existir…