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Recordações de um repórter 2

Acho que o texto que hoje transcrevo
cabe na série: Recordações de um repórter.
É a cobertura que fiz de um show de Roberto Carlos
no Clube Atlético Ypiranga e que foi publicado
em Gazeta do Ipiranga há exatos 29 anos.
Tempo pra caramba, né.

Vejam como foi.

UM REI NO YPIRANGA

Foram inúteis todas as tentativas do operador de som da Magic Discotheque em animar as quase 4 mil pessoas que, na noite de domingo, lotaram as dependências do Ginásio do Clube Atlético Ypiranga. Dançar era o que menos importava. Poucos se aventuravam a deixar seu lugar. Nem mesmo o pulsante balanço do grupo Santa Esmeralda demovia a platéia de se manter inflexível. Quando muito, acompanhava-se o ritmo (e olhe lá!) com despretensiosos movimentos. A expectativa de todos, na verdade, concentrava-se no outro extremo do salão. No palco, onde estavam sendo instalados os instrumentos e a aparelhagem do RC-10. Afinal, era ali que, em poucos minutos, apareceria o rei Roberto Carlos para cantar, durante uma hora, suas mais dolentes canções de amor.

21h30. Era este o horário previsto para o início do show. Mas, neste exato instante, não há qualquer movimentação no palco. E o público começa a demonstrar sua impaciência com aplausos cadenciados pelos gritos de: “Roberto”, “Roberto”, “Roberto”…

Enquanto isso, atrás do palco, nos vestiários do clube, aproximadamente 30 pessoas aguardavam a chegada do “Brasa”. Mas, não havia qualquer preocupação entre dirigentes do CAY, músicos, seguranças e demais personagens da corte de Roberto.

“Atrasos em shows dessa categoria são comuns” – justificava o vice-presidente Marcos Pelegrini.

O empresário Marcos Lázaro procurava explicar o porquê da não realização de uma temporada mais prolongada do cantor nos teatros da Capital. Dizia num português transfigurado pelo arraigado sotaque portenho:

— Esse não é o show que apresentamos quando atuamos no Anhembi ou no Canecão. Lá, contratamos também uma grande orquestra. Hoje, é a apresentação convencional que o Roberto faz nos clubes. Fazer uma temporada mais longa em São Paulo é contraproducente. No Rio, ainda passa. Lá, tem muito turista. Aqui, não. O paulistano só vai ao teatro nos fins de semana, e principalmente quando a temporada está terminando. Fora isso, as salas ficam quase às moscas. Então, não compensa. E tem mais. O Roberto possui vários compromissos internacionais. E os clubes. Não podemos deixar de atender aos convites que chegam. Só para o repórter ter uma idéia, nossa agenda está toda tomada até maio do próximo ano.

Passavam alguns minutos das 22 horas quando Roberto chegou ao Ypiranga. Cumprimentou a todos com discreto aceno e foi, em seguida, ao encontro de Marcos Lázaro, a quem abraçou efusivamente. Durantes alguns minutos, Roberto ficou pelo vestiário, atendendo aos fãs mais privilegiados. Não faltaram autógrafos em fotos e velhas recordações. Um deles perguntou a Roberto sobre determinada apresentação que fez no interior de São Paulo em… 1964. O cantor franziu a testa, aparentou puxar pela memória, e logo concluiu:

“Ô bicho, 64… tá meio difícil. Não lembro, não”.

Nesse momento, um dos acompanhantes da comitiva de Roberto salientou que a platéia já redobrara sua dose de expectativa. Roberto fez sinal que estava tudo “ok” e mandou que os músicos subissem ao palco. Dirigiu-se ao pequeno camarim, improvisado no fundo do vestiário, onde trocou o sóbrio casaco ¾ que usava pelo elegante terno preto da apresentação.

22h30.Um corre-corre nos bastidores. Roberto está pronto e prepara-se para entrar em cena. O RC-10 dá os primeiros acordes de “O Progresso”. E tem início ao show que todos aguardavam. Inclusive as exóticas integrantes do grupo “Frenéticas” que assistiram ao show do ídolo, embevecidas e anonimamente.

II.

Algumas observações que o repórter não escreveu na reportagem. Mas, as faz agora…

Cheguei cedo para falar com o Rei, conforme havia combinado com o idealizador do show no clube, o vice-presidente Marcos Pelegrini. Fomos direto para o vestiário, apenas com seguranças. O tempo foi passando e nada do Roberto chegar. Em compensação, mesmo com a segurança redobrada, umas 30 pessoas, como escrevi na matéria, furaram o bloqueio. Ora eram os músicos que traziam, ora eram do staff do empresário Marcos Lázaro, ora algum ‘medalhão’ do próprio Ypiranga. Logo, virou uma muvuca.

O Marcos do clube foi falar com o Marcos do Roberto sobre a possibilidade da entrevista, que ambos previamente combinaram. O empresário foi enfático:

— Fique tranqüilo. Ou antes ou depois, o Roberto fala com ele (o repórter) cinco minutos que seja…

Nem antes. Nem depois. O cantor chegou atrasado a bordo de um fumegante cachimbo. Fez uma presença rápida entre os fãs, cercado por seguranças parrudos, e foi para o show. Fiquei pelos camarins para não sair da rota e, mesmo assim, não consegui pegar nenhuma declaração do artista. Que, depois da apresentação, fez uma passagem de cinco minutos pelo camarim e foi embora, literalmente carregado pelos seguranças.

Eu estava a metro e meio da porta, quando o homem passou batido. O vice-presidente, mostrando uma certa proximidade com o Rei, tentou justificar:

— É uma estratégia para evitar tumulto. O vestiário tinha gente demais.

Dei de ombros Mas, hoje, cá pra nós, reconheço: fui muito vacilão…

III.

Vacilei. Mas, convenhamos, hoje vejo que não errei tanto assim. É que falaram umas coisas lá do Roberto. Ele atrasou por isso, saiu rápido por aquilo. Sorte que não escrevi nada. Senão o homem, mandava recolher a edição inteira do jornal e babau meu emprego…

Invasão de privacidade. Eu, hein!

(* Tem fotos no blog. São do saudoso Cláudio Michelli)

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