IV.
Ninguém soube exatamente o motivo.
(Dêzinha deve ter aprontado alguma, desconfiou-se.)
Determinada tarde, porém, Silvestre foi lacônico no informe.
— Parei.
A turma quis saber exatamente sobre o quê Silvestre dizia.
— Ok! Vocês venceram. A partir de hoje, não quero mais me meter em confusão. Tenho quase cinquenta anos – e algumas coisas não fazem mais sentido. Serei um homem do trabalho e da família.
E repetiu:
— Parei.
V.
Alguns acreditaram. Outros, não fizeram a mínima fé.
O fato é que, a partir desse dia, Silvestre não perdeu mais o horário. Não se ouviu mais as delirantes narrativas das aventuras em que se metia, nem nada. O homem era de um recato, digno de um monge enclausurado.
Era monossilábico nas conversas:
– Sim
– Não.
– Talvez.
Eram suas respostas costumeiras.
Vez ou outra se queixava das contas do mês. Do eletrodoméstico que foi para o conserto, da sogram que viera para uma temporada, do rendimento dos meninos na escola… Coisas do lar.
VI.
Aos poucos, os colegas foram distanciando-se do chato. Houve quem pedisse encarecidamente que não o deixasse a sós com o ‘empata’ do Silvestre.
— É sempre a mesma ladainha. O cara está varrendo o chão com os cílios…
VII.
Pior aconteceu em um início de ano.
O escritório perdeu uma série de bons clientes.
Foi preciso um rearranjo de funções no organograma da empresa.
Os grupos de trabalho se organizaram e, pasmem!, o pessoal esquecer de incluí-lo na força-tarefa.
VIII.
O Doutor não teve dúvidas.
Silvestre foi o primeiro nome da lista do passaralho.
Para tanto, usou um preceito bíblico, que todos ali entenderam – e, não
sem razão, se sentiram algo culpados:
“Quem deras fosses frio ou quente! Assim porque és morno, nem frio, nem quente; estou pronto a vomitar-te da minha boca”.
Pobre Silvestre, o cinquentão arrependido.