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Sorte grande

Era repórter – e não me lembro qual o dever de ofício e o porquê esperava o carro de reportagem vir me resgatar naquela noite de sábado, ali, nas imediações da rua Avanhandava.

Estava visivelmente mal-humorado.

Tinha meus motivos.

Olhava ao redor e a faina a se divertir naquele canto do mundo.

O entra-e-sai dos restaurantes.

O vozerio. O trânsito.

Os casais enamorados ou não.

Todos no lazer, no bem-bom.

A sensação era de que era o único ali que estava no trampo àquela hora.

Não tinha direito a nada. Nem com quem reclamar.

Até o seo Elizeu, o nosso motorista, dera de atrasar.

É provável que estivesse curtindo o netinho:

— Sábado é dia de ver o guri, dizia.

Não estranharia se esquecera do compromisso.

Combinamos em frente ao Restaurante Giggeto.

Para lá me encaminhei ressabiado.

Fiquei mais conformado com a minha sorte ao ver um senhorzinho que em vão tentava vender bilhetes de loteria aos frequentadores do lugar.

— Hoje, está difícil.

Ele me disse puxando assunto.

Concordei no ato, e também me pus a lamentar minha sina de trabalhador naquele sábado esplendoroso.

Desconfio que exagerei nas tintas – o que não é raro em meus relatos.

Tanto que o senhor logo tratou de atenuar o próprio labor.

Disse que as pessoas eram até carinhosas com ele – e sempre o ajudavam.

Talvez em respeito aos seus cabelos brancos.

Sem contar que já vira cenas de emocionar à porta daquele estabelecimento.

— Vi a dona Dercy Gonçalves ser aplaudida de pé por todos os freqüentadores ao sair do Giggeto. Foi uma coisa espontânea, emocionante mesmo.

Em outra ocasião, ele lembrou que ofereceu “a sorte grande” a um casal que saía do mesmo restaurante. O rapaz, com ares de apaixonado, pagou o bilhete, mas não quis levá-lo.

— Meu senhor, fique com o número. Tomara que ganhe. Seria abusar da graça divina eu ganhar de novo. Hoje, eu já tirei a sorte grande. Olhe pra ela…

E abraçou a moça que estava ao seu lado. Lindíssima, por sinal.

Não esbocei qualquer comentário. E ele continuou:

— Em uma noite como esta, neste mesmo lugar, vi uma cena triste. Um moço, assim da sua idade, chegou e o maitre perguntou a ele: “O senhor está só”. E o moço, assim da sua idade, respondeu: “Sozinho, e mal acompanhado”. Era um rabugento…

Ainda bem que seo Elizeu chegou.

Achei que o velhinho estava me provocando.

A mim – que não comprei bilhete algum – e ao meu mau humor.

* FOTO NO BLOG: Jô Rabelo