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Tudo ao mesmo tempo agora

por Ricardo Fotios*

Boa noite a todos.

Primeiramente, gostaria de expressar a enorme honra que sinto em apadrinhar esta turma de profissionais do jornalismo. Um grupo de alunos que encontrei já no último ano de estudos e para o qual ofereci alguns desafios, todos cumpridos e, na maioria absoluta, com talento e dedicação. Parabéns a vocês por isso.

Entre os desafios propostos, havia os da natureza da profissão, com suas alegrias e tristezas, com suas formas e formatos, suas surpresas e decepções. O jornalista, como irresponsavelmente costumamos dizer, o é 24 horas por dia. E todos aqui puderam experimentar durante sua trajetória acadêmica o que significa isto, na prática e na teoria.

O jornalista olha uma árvore e se pergunta por que ela está ali, de onde veio, e avança querendo descobrir quem cuida dela, se cuida bem e se algo poderia melhorar.

O exemplo da árvore poderia ser uma metáfora, daria certo ar poético a esta fala, mas não é. Foi assim que surgiu uma pauta de repercussão nacional sobre as figueiras, dessas que temos aqui nos jardins do Campus, conduzida por um aluno nosso. A poesia veria a beleza da árvore e faria uma rima. O jornalismo viu pequenos pontos escuros nas folhas e investigou.

O curso também os expos a desafios recém-chegados a galope, montados na nova economia, nas novas tecnologias, na agilidade da era do conhecimento, no aprendizado muito além do que habitualmente o profissional de comunicação vinha sendo acostumado a encarar. Até formulas matemáticas fizeram, imaginem!

“Tudo ao mesmo tempo agora” é o nome do trabalho do grupo Titãs, lançado em 1991, quando eu estava me acostumando com a profissão, mais ou menos na idade de vocês que hoje se formam. O disco trazia uma nova estética musical e poética, com versos explícitos e ritmos misturados e alucinados. Mas, para a informação, o “tudo” chegou mesmo na segunda metade daquela década.

Foi quando o mundo ficou e permaneceu, felizmente, conectado, ao vivo, ou em tempo real, como se diz imaginando-se a existência de um tempo irreal. Pelo menos no jornalismo, este tempo não existe.

Não há espaço para fantasia na nossa profissão, ainda que as palavras escritas ou
faladas deem tom lúdico à verdade. O que pode ser mais real do que trabalhar incansavelmente para ter duas, três, quatro ou mais versões para um mesmo fato? O jornalismo é assim, inconformado com o óbvio.

Televisão, jornal, rádio, internet, celular, tablets. Texto, foto, códigos de informática. Design, arquitetura da informação, tecnologia da informação. Blogs, microblogs e redes sociais. Isso sim, senhores, é tudo ao mesmo tempo agora.

Conviver com tudo isto em um curto espaço de tempo é trabalho de titãs, não o grupo musical, mas as divindades mitológicas. Vocês, meus caros ex-alunos, estão aqui porque são bravos titãs.

Nunca tantas notícias foram produzidas como neste novo mundo oferecido aos jovens profissionais. Nunca tanta gente diferente produziu tanta informação quanto na era da democrática web. “Quem lê tanta notícia”, perguntou o tropicalista Caetano Veloso em sua “Alegria, Alegria”. Cada ser humano na face da terra, é a resposta, agora sabemos.

Mesmo quem não lê no sentido exato da palavra, pode ver ou ouvir a notícia no computador ou no celular mais próximo. Estamos vivendo no paraíso da comunicação, na terra prometida da informação. Amém!

Finalmente, senhoras e senhores, estas garotas e garotos foram submetidos a desafios próprios da vida de qualquer pessoa. Ou disciplina, organização, responsabilidade e ética são características exclusivas do jornalismo? Não são, tenho certeza.

Certa vez, quando era repórter iniciante em um jornal local, fui destacado para cobrir as enchentes da região. Sim, já havia enchentes no ABC e não havia internet, dá para acreditar?! Fiquei com uma parte de São Caetano, bem aqui próximo. Chegamos eu e o fotógrafo Koldway em um cenário de guerra. Água pelos joelhos, móveis espalhados nas ruas. Cena triste.

Avistei uma senhora debruçada sobre o portão em sua casa, alagada. Fui entrevista-la, minha editora queria muitos personagens na matéria. A mulher, viúva de pouco mais de 60 anos, contou que havia perdido absolutamente tudo. Geladeira, fogão, cama, toalhas, retratos. Dava para ver o drama instalado naquele rosto.

Era madrugada de sexta-feira. Depois de muita conversa, perguntei do que ela sentia mais falta naquele momento. Pensou por alguns minutos, fechou os olhos com o rosto voltado para o céu, resignada, e disparou: “do fogão, meu filho. Queria poder oferecer um café a você, que está trabalhando até essa hora aqui nessa lama e não tem nada a ver com isso”.

Naquele momento descobri que, ao contrário, eu tinha tudo a ver com aquilo e que jornalismo é feito de gente, de pessoas como a senhora de São Caetano.

Pessoas com histórias para contar e que confiam na fidelidade do nosso relato.

Pessoas que acreditam que o jornalista é um profissional que está a fim de saber a verdadeira verdade. Para mim, naquela noite, jornalismo virou paixão pela humanidade e suas complexidades.

Que Deus ilumine o caminho de vocês para que sigam vencendo os desafios da vida e da profissão, com muita paixão. Mas, sobretudo, que tenham como meta maior nunca decepcionar essas pessoas, de maioria simples e carentes de algo, que contam com nossa ajuda para amplificar, e por que não tuitar, a sua realidade.

Obrigado por esta oportunidade.

Ricardo Fotios.

* (Jornalista do Portal Uol e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo – e meu amigo)