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Uma noite inesquecível

— Então, naquele tempo, a União Soviética…
— Conclua, meu queridíssimo Duque, conclua…
— Mas, estou respondendo, a pergunta da estudante, Mino…
— Sim, mas faz meia-hora…E ela só lhe pediu uma orientação de como enfrentar o mercado de trabalho e olha onde você já está, na Rússia…

II.

Os amigos e jornalistas, Mino Carta e Duque Estrada, riram do inusitado da situação. Afinal, não estavam na mesa de um restaurante – para eles, o lugar ideal para finalizar a noite – ou mesmo nas dependências da revista Carta Capital, onde trabalham desde 1994. Eram, sim, o centro das atenções de centenas de jovens estudantes que se reuniram, no auditório Sigma do campus Rudge Ramos, para participar da primeira noite de palestras da IV Semana de Jornalismo, promovida pela Faculdade de Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo. O tema da reunião era reverenciar os 30 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar em outubro de 1975.

Foi em setembro de 2005. O tom politicamente correto e cerimonioso, habitual desses encontros em universidades, resistiu apenas alguns minutos às ironias de Mino e à retórica de Duque. Com a verve dos velhos jornalistas, que adoravam uma polêmica, ambos transportaram para o palco do Sigma as acaloradas – e deliciosas – discussões típicas das redações dos anos 70. Àquela época, mais do que colegas de trabalho, os jornalistas eram amigos. E, se me permitem registrar, os sonhos de salvar o mundo flanavam, soltos e vivos, por aquelas paragens esfumaçadas tendo como trilha sonora, para o inevitável debate de todo o dia, o batucar irritadiço das máquinas de escrever.

III.

Ao fim do encontro, lá se foram Mino e Duque para um restaurante em São Paulo. Já à entrada do táxi começavam outra polêmica: o presidente Ernesto Geisel teria colocado o cargo à disposição dos seus pares, os militares, durante o episódio Vladimir Herzog?

— Só você acredita nisso, Duque. O Geisel renunciar, ora…

— Mas eu tenho informações seguras, Mino…

IV.

Reconto hoje essa história para saldar a promessa que fiz ontem aos meus leitores. Explicar os motivos da minha gargalhada que a repórter-fotográfica Jô Rabelo flagrou numa palestra que participei ao lado de Mino e Duque.

Fiz na verdade um brevíssimo relato. Pois, como vocês podem ver pela foto de hoje, Mino estava impossível. Reparem como consulta o relógio com uma expressão de ironia, enquanto Duque falava, falava, falava…

— Martino, dá um cutucão nele. Eu o conheço. Sei que não vai parar tão cedo.

V.

Fiz que não ouvi a recomendação. Que voltou a ser feita, aliás, duas ou três vezes. Eu, hein!, em briga de elefantes quem sofre é a grama. Já estava absolutamente feliz de estar ao lado de dois dos mais importantes jornalistas brasileiros – iria eu agora ‘cobrar’ um deles.

Discretamente, anotei numa folha ‘5 minutos’. Mostrei a Duque que continuou falando, mas balançou a cabeça como se tivesse entendido. Mas, quem disse que ele respeitou o prazo?

Foi o suficiente para Mino fazer o aparte. E todos rimos muito, inclusive o próprio Duque.

Foi uma noite e tanto para os estudantes de jornalismo. Mas, querem saber a verdade, foi inesquecível para mim. Verdade. Se pudesse faria o tempo voltar, para vivê-la de novo, com sonhos, esperança e aquela sonora gargalhada…