Encontro o amigo Danilo.
É nossa reunião anual para que o craque da Contabilidade ponha os pingos nos is do meu Imposto de Renda.
Encontro o figura sozinho em seu escritório envolvido com formulários e documentos e contas e uma incrível calculadora daquelas bem antiguinhas.
Houve tempo em que, com ele, trabalhavam outros camaradas nossos. O Renato e o saudoso professor Osmar. E aí, sim, eu que sempre chegava na última hora, em cima do prazo, me espalhava em conversas sem fim, mais atrapalhando do que ajudando a tarefa do “trio de ouro”.
O espaço apertado, repleto de estantes e pastas de arquivos, se transformava num ponto de encontro de fazer concorrência às barbearias de antigamente, que tinham a tradição de reunir aposentados, desocupados e afins.
II.
Aliás, foi esse tom de nostalgia explícita que marcou o papo de hoje com o Danilo que me confessou: não é um atento leitor do que escrevo no Blog, mas sabe de cor trechos de crônicas que escrevi e foram publicadas em livro.
Aproveitei e dei de presente a ele dois exemplares da última coletânea que lancei – “O Natal, o Menino e o Sonho”. Um para que o próprio leia e se delicie com “essas histórias curtas”, como ele mesmo define meus textos. E outro para que dê de presente a um conhecido “que está cursando jornalismo”.
Não sei se sou uma boa referência, mas vá lá…
Quem escreve quer mesmo ser lido.
III.
De uma lembrança e outra, um assunto e outro, não sei o porquê a conversa foi parar nas nossas andanças pelo Nordeste brasileiro. Falei bem de Aracajú e arredores e Danilo se disse um apaixonado por toda a região, especialmente quando se embrenha pelos lugares mais desconhecidos.
– Ali, sim, me diz o amigo. – Encontra-se a verdadeira essência do povo brasileiro.
IV.
Desta vez, foi ele que pediu para que eu ficasse mais um tantinho.
(Desconfio que estava se sentindo muito só.)
– Você tem tempo para ouvir uma historinha? Se quiser, pode até usar em uma crônica e dizer que é sua.
Acham que eu perderia essa?
Nem pensar.
V.
A história é a seguinte.
O Danilo e um amigo visitaram a praia de Tamandaré, em Pernambuco, “uma das mais bonitas do Brasil”, e foram conhecer uma distribuidora de coco verde para todo o Sudeste.
— O senhor me disse que abastece o estado de São Paulo inteiro.
Lá pelas tantas, baixou o homem da Contabilidade afiada que o Danilo traz com ele. Percebeu que os caminhões de coco chegavam abarrotados, deixavam lotes e lotes da mercadoria ali no galpão e iam embora. Alguém fazia o acerto financeiro por empreitada.
Só depois os cocos eram encaminhados aos grandes centros.
VI.
O paulistano Danilo quis saber como era feita a aferição. Se alguém fazia a contagem, ou sei lá. Como mensuravam a coisa toda para que ninguém perdesse ou ninguém ludibriasse o outro.
– Não fazemos nada, não, senhor – rebateu o suposto gerente. Pagamos por lote – e está bem pago.
Danilo não se conteve:
– Mas, e aí, como fica, se outro resolver lhe engabelar?
E a resposta veio inesperada:
– Ele, eu não sei – e não acredito. Somos todos conhecidos. Eu, da minha parte, posso lhe dizer que durmo tranquilo, em paz com a minha consciência.
O que você acha?