Oi.
Nunca sei como chamá-lo. Nicola, simplesmente. Ou doutor Nicola?
Sempre achei estranho essa história de ser taxista e psicólogo ao mesmo tempo. Ainda mais com doutorado na tese “Mulheres Que Amam Demais”?
Deixa pra lá. Não importa.
Você sabe. Sou sua fã e (im)paciente…
Pois é. Quero lhe fazer um convite. Vamos ver a mostra A Viagem de Yukio Suzuki no Museu Brasileiro de Escultura? É na avenida Europa 218, aqui em São Paulo. Vamos aproveitar este fim de semana é ali na região. Ele é muito parecido com você, sabia? Um exemplo da disciplina, organização, do imigrante japonês que buscou sentir a nossa natureza e se integrar na cidade, no país.
Já sei, já sei. Vai me dizer que não tem nada de oriental. É italiano, o que, na verdade, muda tudo e, em essência, não muda nada. Viver longe da terra natal gera sempre um enorme vazio. Parece que falta um pedaço da gente, não é assim? E ainda tem a eterna expectativa da volta…
Os trabalhos são impecáveis. São, como bem lembra Jacob Klintowitz, o alvorecer da consciência. Gostei muito. Como os primeiros artistas imigrantes, Yukio é um observador da natureza, sempre envolto da energia do universo.
Ah! Podemos também que assistir ao filme Sol, que mostra a queda do imperador japonês, o momento em que ele declara que não é um deus e não descende do sol.
Eu mesma aprendi, quando era menina, que descendia de Amaterasu, a deusa do sol. Você acredita que eu acreditava piamente nisso? Ía para a escola com um guarda-chuva de papel arroz e varetas de bambu. Tinha flores vermelhas e um tsuru (passarinho) lindo. Minha mãe dizia que as crianças deveriam estar sempre protegidas dos raios porque Amaterasu ficava de mau humor depois das 10 horas e seus raios castigavam a nossa pele.
Só que na escola meus coleguinhas não entendiam. Debochavam porque eu era
muito branca. Mas, que fazer? Tinha um medo danado do castigo da deusa mãe.
Enfim, são histórias que deixam a gente um pouco fora do planeta.
Ainda hoje ninguém entende porque eu nunca vou à praia para ficar sob o sol. Me satisfaço em contemplar o inigualável festival de cores. É lindo.
Você me entende, não?
Não?
O que acha?
Topa?
Beijos
(…)
— Interessante. Interessante…
Foi só o que Nicola disse baixinho para ele mesmo, pois o consultório estava vazio. Era hora de ir embora. Enfrentar a segunda jornada agora como taxista. No fundo, no fundo, é tudo a mesma coisa para ele. Antes de clicar o “desligar” na tela do notebook, optou por responder ao email da paciente. Com a sutileza habitual, teclou:
“Marque uma hora com a minha secretária.”
E foi-se embora indiferente.
Antes de entrar no táxi, porém, estava convencido. Arranjaria um tempo neste fim de semana – aloprado pelas 800 atrações da Virada Cultural – para visitar o tal Museu. Nicola não gosta de muvuca e diz para todo mundo que é apenas um homem só.