Encontro com Escova em frente à Estação Sacomã do Metrô e caminhamos à procura de um boteco à moda antiga (“Hoje se diz vintage”, me alerta o amigo), onde possamos por os assuntos da semana em dia e também relembrar algumas histórias do passado (que, a bem da verdade, é o nosso forte).
É um hábito nosso; no fundo, no fundo, para saudar (o que tolamente entendemos ser) as glórias do passado.
II.
Escova não espera muito para solenemente dar início ao mergulho no túnel do tempo:
– Você lembra o dia que as discussões filosóficas do grande Umberto Eco chegaram a figurar de uma das reuniões de pauta da velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor?
Puxo pela memória, e me recordo de algum zunzunzum. Mas, a história em si não me está clara na memória. A proposta da nossa valente Gazetinha sempre foi retratar o dia a dia do bairro do Ipiranga. Não entendo onde e quando o notável escritor entraria como foco de nossas reportagens.
O amigo, porém, tem tudo ainda vivo em seu relato.
III.
– Você lembra da Cássia, a estagiária?
– Lembro, claro.
– Lembra o dia em que ela, ainda estudante de Jornalismo, chegou aos suspiros na redação. Dizia-se encantada com um de seus professores, um tal de Djair, que havia aproveitado as férias de fim de ano para ir a Milão trocar figurinhas com Umberto Eco sobre filosofia e comunicação?
Sinceramente não me recordo desses detalhes, mas o assunto não me é estranho. Houve qualquer coisa, sim – respondo. Foi lá pelo fim dos anos 80. Não tenho essa memória toda, não.
– Então, meu querido. A moça ficou a semana inteira falando no tal professor. Que ele era isso, era aquilo. Que trouxe muitas novidades da conversa com o acadêmico italiano. Que suas aulas eram sobre conceitos, paradigmas e novos processos comunicacionais. Zoávamos que ela estava, digamos assim, apaixonada.
IV.
Estava demorando, todas as conversas do Escova acabam em romance.
– O Escova, você não está inventando, não?
– Claro que não. Ela chegou ao exagero de dizer que tínhamos que entrevistar o professor Djair para dizer aos nossos queridos leitores como foi esse encontro entre dois intelectuais da Comunicação. O mundo – a começar pelo Ipiranga – precisava saber desse encontro. Foi você que vetou a pauta.
– Eu?
– É. Mas quem derrubou a pauta e desmacarou o homem foi o boy da redação, o Devito, lembra?
Como esquecer o Deva? Garoto bom, que ficou com a gente um tempão. Meio-perdido, é bem verdade. Vivia entre nuvens, se é que me entendem. Mas, super prestativo e antenado.
– Pois é… O Devito voltou de férias por aqueles dias e, pior, conhecia o tal professor de outras ‘paradinhas’. Ele ouviu a conversa e foi na veia: garantiu que o tal Djair passou todo o verão em Peruíbe e que a história de ter ido para a Itália, encontrado Umberto Eco e tudo mais era uma grande balela.
E o Devito, à época, concluiu:
– O cara é o maior um sete um que conheço. Filho de pescador, adora uma conversa fiada. Mas, é dos nossos, figura…
V.
Pois é, digo eu, meus caros cinco ou seis leitores. Lembrei-me de tudo. Foi isso mesmo que aconteceu – ou algo próximo a isso. Demos (eu e o Escova) muita risada ontem e (todo o pessoal) também naquele dia.
A moça ficou tão desolado, tão desolada que nunca mais voltou para concluir o estágio…