– Ai, minha Santa Catarina, mas é o…
Cazuza era casado com uma das irmãs do meu amigo Claudinho Zeola. Bem mais velho do que nós, moleques de rua, idos de 60, no bairro operário onde morávamos.
Ele, o Cazuza, era um negro alto, estiloso. De profissão, motorista. Bom de samba nas rodas da Império, a escola de samba na quebrada da rua Muniz. Competente zagueiro central do segundinho do Santos do Cambuci… e divertido por natureza.
Eu, o Zeola, acho que o Nestor também e o resto todo da meninada gostávamos de ouvi-lo batucar, vê-lo zagueirar no campo do Distrital da Aclimação e, principalmente, ríamos a valer de suas prosas e causos. Vinham repletos de expressões e frases que ele mesmo criava – e que, depois de ouvirmos, assimilávamos e repetíamos como se fossem nossas.
Essa aí de cima, a invocação à Santa Catarina na hora em que as coisas não saem exatamente como se deseja, eu a repito ainda hoje.
Repito muito, diga-se.
Foi o que fiz ontem, em pleno Allianz Parque, vendo o meu Palmeiras de Felipe Melo & Cia “se virar mais do que pirulito em boca de criança” para vencer o Atlético Mineiro, por 3 a 2, já nos acréscimos da partida.
Que sufoco!
(…)
Não notei que, ao meu lado nas cadeiras do setor Gol Sul Superior, havia um senhorzinho, de cabelos acaju e sotaque mineiro (deveria ser torcedor atleticano que entrou pelo lado errado), que me olhou assustado.
Impressionou-se com o meu desabafo, logo após um lance perigoso na área do Verdão.
Tão impressionado que não se fez de rogado e, assim que o juiz trilou o apito e encerrou o primeiro tempo, o homem se aproximou e me perguntou com aquele sotaque inconfundível:
– Uai, por que Santa Catarina, sô?
Estranhei. Mas, respondi que não sabia. Não sou de muita conversa nos estádios.
– Ah, pois – gemeu o Fulano e continuou me olhando, inquisidor.
Expliquei:
– Era uma expressão que ouvia na minha infância e que guardei e…
Juro que daria o crédito da criação ao Cazuza, mas o curioso queria saber o “motivis” que eu não concluíra a frase:
– Mas é o quê?
(…)
E esta agora – pensei. Vou ter que explicar para o Sem Noção que também não sei mais esta. Deduzi que o Cazuza, que eu não lhe apresentei, religioso como era, de acompanhar a patroinha à missa das seis da manhã no domingo antes do futebol, preferia parar não completar o dito para não ter que citar o, como direi, o dito-cujo…
Disse sem dizer, travei, para não incorrer no tal mau presságio que o Cazuza sempre evitou, mas o Chatonildo não se tocou. Chamou o vendedor de água, comprou um copinho, me ofereceu outro (que não aceitei), mas a sede que tinha, pareceu-me, era outra:
– O… O… O quê? O Gastura, o Danado… Vixi, cruz credo, me deixe longe também – disse e sorriu algo ressabiado.
– Ora, Ora, deixa pra lá – contemporizei. – Pode ser qualquer coisa.
– É que não entendi… – justificou-se.
– Esquece. Deixa como tá, pra ver como fica (outra do Cazuza).
– Como tá, o quê? – insistiu.
(…)
Perdi, por um ‘instantim’, a paciência:
– Mas, você é osso, hein, mineiro?
– Eu, osso? Ah, mineiro, sim, sim. De Poços de Calda, conhece? É a primeira vez que venho ver jogo no estádio e …
– Osso do caroço – completei a lembrar outra citação do Cazuza.
– Osso, caroço? Vocês, paulistas, têm um palavreado complexo. Parece outro idioma.
(…)
Não resisti.
Diante do aborrecido aborrecente, escapou-me a invocação:
– On co tô, gente? Ai, minha Santa Catarina, mas é o…
E ele, ainda ressabiado, mineiramente me alertou:
– Vixi, não fala não. Não completa, não completa… Dá azar, traz mau agouro.
(…)
E por lembrar Minas e outras tantas boas recordações…
Fiquem com esta linda canção.
Boa sorte e, vamos nós, boa semana, amigos…
O que você acha?