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Walter Franco

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Foto: FNM/Divulgação

“São iguaizinhos, olha, olha, olha…”

Meus pares (repórteres que cobriam a área de Cultura, mais precisamente de música popular brasileira) diziam em tom de blague que éramos “irmãos”.

Gostavam de me provocar.

Eu até aceitava de bom grado a brincadeira quando nos encontrávamos para alguma Coletiva de Imprensa, mas fingia uma suave indiferença.

Éramos todos um tanto inconsequentes naqueles idos dos anos 70

Podíamos perder os amigos, mas não perdíamos a chance da piada.

Ademais, eu já entrevistara o cantor/compositor Walter Franco em várias oportunidades e, sinceramente, nunca me senti em frente ao espelho – e ele, acredito, menos ainda.

Cabelos e barba desgrenhados, estilo hiponga, como quase todos a época. Só isso…

Quer dizer, em comum com o notável músico paulistano, havia também a admiração pelos tons e sobretons de sua obra musical que acompanhei desde os primeiros momentos durante as apresentações dos festivais universitários na extinta TV Tupi.

Walter Franco morreu ontem em São Paulo.

Andava esquecido pelos grandes meios de comunicação como tantos outros talentosos daqueles tempos.

Mesmo assim cumpria uma esporádica rotina de shows e planejava, para breve, novo álbum  (o sétimo da carreira). Este, em parceria com o filho Diogo Franco.

Tinha 74 anos e se recuperava de um AVC sofrido no início deste mês.

A família escreveu em suas redes sociais:

“Sinto dar a notícia de que nosso Walter Franco partiu tranquilamente.”

Walter Franco foi um dos expoentes da chamada ‘Geração de Briga’ que enfrentou todas as barras do arbítrio e da ditadura dos anos 70 para dar vida e voz às nossas manifestações e sentimentos.

Era considerado um autor maldito – assim como Mautner, Macalé, Luiz Melodia – por não pertencer a nenhuma corrente musical específica ou mesmo a este ou aquele grupo regional.

Para muitos, era um compositor de vanguarda pelas experiências sonoras que desenvolvia ou por versos tão inusitados quanto singelos:

Viver é afinar o instrumento

De dentro pra fora

De fora pra dentro

A toda hora, a todo momento

É bem provável que parte do estigma de “maldito”, teve origem na conturbada participação no Festival Internacional da Canção, de 1971.

Foi um dos finalistas com a bombástica “Cabeça”, de versos enigmáticos para os censores de plantão:

Que é que tem nessa cabeça, irmão?

Que é que tem nessa cabeça, ou não?

Cabeça pode, cabeça explode, ou não ou não ou não…

Os homens nada entenderam da letra falada, dos rifis rasgados e ásperos das guitarras, da performance de Walter Franco, todo de branco e ensandecido.

Resolveram, então, intervir.

Assim que souberam que o júri a escolheu como a vitoriosa da fase nacional do FIC, os representantes da ditadura pressionaram a Globo (organizadora do festival) que destituiu Nara Leão, a presidente do grupo de jurados, e deu a vitória à festiva “Fio Maravilha”, de Ben Jor, interpretada por Maria Alcina.

Por essa época, outra de suas canções fez sucesso na voz de Chico Buarque, e é bem emblemática tanto para aqueles anos duros como para os tempos que ora vivemos:

Não diga nada
Saiba de tudo
Fique calada
Me deixe mudo

Nos anos 80, viveu momentos de maior popularidade. Enfileirou hits como “Serra do Luar”, “Vela Aberta”, “Feito Gente”, “Respire Fundo” e o mantra yogue “Coração Tranquilo”, entre outros.

Tudo é uma questão de manter

A mente quieta

A espinha ereta

E o coração tranquilo

Foi nessa ocasião que nos reencontramos numa tarde em um evento na gravadora CBS no bairro de Pinheiros em São Paulo.

Meus camaradas não perdoaram.

Assim que nos cumprimentamos, ouvimos a bendita pergunta se éramos irmãos.

“São iguaizinhos, olha, olha, olha…”

Fiquei sem graça. Não sabia o que dizer.

Mas, o músico tirou de letra a zoeira.

Com a voz pausada e firme, disse simpaticamente:

“Amigos, somos todos irmãos para o Universo, mas reparem que ele tem os traços mais suaves que os meus.”

Walter Franco não esperou as flores de novembro. Para nossa imensa tristeza.

 

 

 

 

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