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Crônicas de Viagens – Londres

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Fotos: Arquivo Pessoal

58 – Travessia sob as águas 

Escrevo do Euroestar.

Um tanto agoniado, é bem verdade.

Deixamos LONDRES a caminho de Amsterdã, depois de quatro dias em território inglês.

Para ser franco, só ficamos na cidade – e olhe lá.

Já estamos no último quarto das férias europeias e todos já demonstram um visível cansaço do ir e vir de uma cidade a outra. Há ainda algumas etapas a cumprir Amsterdã, Brugges e Bruxelas, depois voltamos para Zurique, de onde partimos para São Paulo.

Nossa estada em plagas inglesas foi trivial em termos de programação.

Vou aproveitar o silêncio que reina no vagão para falar da circunspecta capital de todos os ingleses.

Minha primeira impressão: nossos santos não bateram.

Talvez por ser inverno a vi como uma cidade insensível, inexpugnável.

Não soube entendê-la à primeira vista – e provavelmente nunca saberei.

Não me inspira o mesmo arrebatamento de Paris, a romântica etapa anterior da viagem.

Como um turista acidental que sou, não escapei ao roteiro da maioria: fui ver a troca da guarda (deu sono), o Big Ben (nome de um elepê de Benjor de 1965, único que falta em minha coleção), a abadia, o parlamento e caminhar às margens do Thâmisa.

Sem ironias, rapaziada…

Sou o primeiro a reconhecer que é melhor estar ali, à beira do aclamado Thâmisa, do que trafegar pelas marginais Pinheiros e Tietê.

A cidade é outra Babel de etnias, gentes e costumes.

Um caleidoscópio, diferente de Paris.

Na capital francesa, há uma aculturação natural dos forasteiros. Todos imaginam-se um pouco (ou muito) parisiense… Até eu que sou mais sonso. É perceptível.

Aqui, não.

Os imigrantes não se moldam ou integram totalmente à paisagem cinzenta do novo cenário.

Diria: não se britanizam.

Ressaltam traços do país de origem; nas vestes, no ritmo de falar, no jeito de andar, no olhar de soslaio.

Muitas vezes, pelas ruas de Londres, procurei e foi raro encontrar o tal do inglês genuíno nesse universo multifacetado de rostos e gentes díspares.

É o que chamam de uma cidade cosmopolita.

Talvez essa preservação de raças, etnias e costumes seja o melhor da cidade – e eu nada tenha entendido, como faço por hábito e natureza.

Um tema para futuras divagações.

Quem sabe numa próxima visita?

Ops.

Neste exato instante, vamos começar a travessia sob as águas.

Uia!

Serão 20 minutos dentro do Eurotúnel que rasga o fundo do Canal da Mancha, a tal maravilha da engenharia mundial.

O outro lado da janela é só escuridão como se estivéssemos num metrô subaquático.

“Nada a fazer senão esquecer o tempo”.

Inteiramente ocupado por passageiros silenciosos, o comboio fica mais silencioso ainda.

Um choro de criança interrompe o formalismo e a pose de todos. Soa como um alerta de que a vida, mesmo sob as profundezas, continua – e é o maior desafio.

Por falar em desafio.

Quero ver transformar em crônicas – e um provável livro – tudo o que vivi nesses dias…

A criança parou de chorar.

Ufa!

Então posso, eu próprio, continuar minha viagem dentro da viagem.

O ato de escrever, por vezes ou quase sempre, nos leva a um Euroestar muito pessoal.

Mergulhamos em nosso próprio oceano de reflexões, medos e decisões.

Há dias que o mergulho se dá em águas mais escuras, mais profundas.

Outros nem tanto – e porém…

Escrever é como submergir aos confins dos sentimentos, recolher alguma saudade, outro tanto de lembranças e querências. Podem ser diversas, etéreas. Ganham, porém, contornos de realidade quando nos levam a outra margem. Ali, onde está o leitor.

Embora viajem comigo, façam parte deste meu momento, assim que vocês pousarem os olhos essas linhas pertencem a quem as lê – a você. e não a mim.

Minhas impressões aportam, então, em terra firme.

Transformam-se na história de todos nós.

Uma provocação:

Reparem nos casais apaixonados.

Têm luz própria.

Mesmo numa confraternização ou no restaurante. Em meio a uma multidão.

Não importa.

Os amantes vivem um mundo peculiar de sorrisos e carícias.

Divertem-se com qualquer bobagem.

Respondem com um sim ao melhor da vida, enquanto os que não professam o amor sentem-se no oco do mundo a trafegar num Euroestar que anda em círculos. Sem saída para a luz do sol.

* Baseado em texto originalmente publicado em 20/06/2007

1 Response
  • VERONICA PATRICIA ARAVENA CORTES
    1, outubro, 2020

    Eu estive em Londres durante 4 meses, com vinte e poucos anos, estudando com o dinheiro contado, só ia nos museus nos horários gratuitos. Passiei pelos mercados locais, andei e me perdi muito por aquele metrô já centenário. Vivi muita coisa interessante, shows grátis nos parques, festa em casa de uns doidos albaneses, vi os protestos diários na Trafalgar Square e gente caída na rua de tanto beber cerveja. Todo motorista de ônibus corrigia meu accent para mostrar que eu não era local, tive a honra de pesquisar na British library, uma biblioteca onde a maior parte das pessoas não tem acesso, pq embora pública, é restrita. Demorei tanto pra ir numa troca de guarda nunca fui. Já tinha me esquecido…

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