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João e Maria, by Veríssimo

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Foto: EBC/Divulgação

Tem uma crônica antiga do Luís Fernando Veríssimo que, recentemente, reli – e não me sai da cabeça.

Chama-se ‘João e Maria’.

Consta do livro Aquele Estranho Dia Que Nunca Chega, publicado pela Editora Objetiva em 1999.

Reúne textos sobre política e economia no contexto dos governos Éfe Agá (como Veríssimo se refere ao então presidente Fernando Henrique Cardoso) e das tribulações que o nosso descabeçado mundo vivia à época.

Veríssimo é contundente em suas análises.

Tanto que ando com o livro pra lá e pra cá e saboreio cada uma de suas páginas como quem recorre a profecias de um oráculo.

O detalhe é que, como disse acima, o cronista se prende à análise e observações sobre os fatos da época.

Não faz profecias.

O que espanta é que o absurdo das desumanidades permanecem todas aí.

Implacáveis, e presentes. Mesmo com os tais inevitáveis avanços da chamada sociedade pós moderna nesse derramado – e decepcionante – século 21.

Se bobear, eu diria que o Planeta andou (ou girou?) pra trás nesses tempos que alguém (e não foi o cronista, e muito menos eu) imaginou ser a propalada Era de Aquarius.

Enfim…

Eu lhes dizia da crônica ‘João e Maria’.

Escreve o cronista:

“Imaginemos duas crianças. João e Maria. O João brasileiro, a Maria iugoslava. Os dois ainda não nasceram. O João ainda não foi nem concebido. A Maria está para nascer.Não importa muito de onde o João vai nascer. Se do Nordeste ou ali da esquina. Ele vai nascer no grande estado brasileiro da Miséria, o maior estado da federação. Não importa muito de que classe ou etnia seja Maria. Ela vai nascer numa periferia de erros da Otan.”

O texto segue por aí, contundente e realista, até concluir.

“Se João sobreviver à maternidade superlotada, aos SUS, às doenças endêmicas da Miséria, ao extermínio, às guerras de gangues, o João vai ser um desempregado crônico, pai de outros joões.”

Um dia a mais, um dia a menos de bombardeios: a vida de Maria pode depender dessa tênue diferença de uma noite. Mas a decisão também não é dela.

Se trocarmos o cenário da Guerra dos Balcãs nos anos 90, pelos conflitos que hoje assistimos apalermados na Europa, em Gaza e Israel ou mesmo nos confins da África, concluiremos que, tristemente, nada mudou.

Já o Brasil…

Canta Maria Gadú!

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