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A alucinação vestia vermelho

Me diga: o que você faria se uma deusa morena, dessas que só se vê naquelas revistas que não existem mais, entrasse em seu humilde escritório e lhe pedisse socorro?

Saltaria da cadeira, largaria a conversa do whats pela metade, abandonaria o que estivesse fazendo, fosse o que fosse, e de pronto atenderia o pedido da moça?

Pois foi exatamente isto o que fez o pacato cidadão Olegário, um jovem senhor de fino trato e educação. Naquela tarde, até que se defrontasse com aquela visão do paraíso, nada no mundo o fazia acreditar que este (o mundo) conspirasse a seu favor.

II.

Olegário mediu a moça, de cima abaixo, de baixo pra cima, afrouxou a gravata assim que constatou as sinuosidades daquele corpo que o vestido vermelho, mais do que justo,  justíssimo, acomodava e, ao mesmo tempo, exibia.

“Olegário… Olegário… É muita areia para o seu caminhãozinho. Olha a encrenca! ”

III.

Advogado sem causa, detetive particular aposentado por falta de serviço, entediado com tudo o que os jornais lhe informavam, ele preferiu não ouvir a voz da consciência.

– Dr. Olegário, à sua disposição. Em que posso servi-la?

A moça mantinha os braços cruzados na altura dos seios como se abraçasse a si mesma. Com o olhar de súplica, expôs o problema que tanto a afligia e, muito provavelmente, poderia causar uma hecatombe se não fosse resolvido em segundos.

IV.

Qual o problema?

O zíper, na parte detrás de vestido, abrira sem que ela percebesse, assim que desceu do Uber na portaria do prédio. Arranjou-se como pôde para evitar o escândalo e chegou ao primeiro andar se esgueirando dos olhares curiosos. Entrou na primeira porta que encontrou aberta… Agora precisaria dar um jeito no bendito/maldito sem que causasse um tumulto descabido nas redondezas.

Justo naquela manhã resolveu abolir o sutiã – “e olha no que deu? ”

V.

Era só o que Olegário fazia.

Olhava, olhava e imaginava.

– O senhor pode me ajudar?

“Claro”, respondeu. Pronto para dar o bote.

Tocaria aquela pele morena, que intuía macia e, por horas enquanto fingiria consertar o abençoado zíper.

Quem sabe não seria o começo de tudo? Quem sabe…

VI.

– Posso usar por um segundo a toalete. Sei como dar jeito nisso.

Desenxabido que só, Olegário indicou a porta à esquerda.

Viu a moça entrar – e se pôs a ruminar a cena que lá dentro acontecia perto tão longe do que, pensou, seria.

Foi só o que lhe restou.

VII.

Minutos depois, a moça saiu mais exuberante do que nunca. Agradeceu a gentileza, acenou com os dedos um reles tchauzinho. E, assim como surgiu, desapareceu.

(Até hoje, Olegário, usando suas técnicas de detetive particular, investiga o paradeiro da moça. Não sabe se existiu mesmo ou se foi uma alucinação que vestia vermelho.)

 

**Foto: Jô Rabelo

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