Foto: Arquivo Pessoal
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Deixem que eu lhes conte uma passagem divertida dos tempos da velha redação onde eu e o amigo Escova demos nossos primeiros passos como repórteres.
Não, amigos, não tem nada a ver com jornalismo. Mas, acreditem, a historia é divertida – e mostra como e quem era o Escova naqueles idos em que nós o chamávamos de Dom Juan das Quebradas do Sacomã e adjacências.
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Aconteceu o seguinte.
Após toda uma madrugada de “pescoção” – quando o trabalho na redação parece sem fim -, Escova foi parado por uma blitz policial a caminho do “lar doce lar”.
Assim que o policial encostou no seu carro, Escova já foi lhe entregando tudo o que tinha no bolso. Disse-me ele, na ocasião, que entregou a carteira de documento do veículo com tudo o que tinha dentro, inclusive a habilitação e uma esquecida nota de cinquentinha; dinheiro, repetiu-me ele várias vezes, que havia reservado para fazer uma fezinha na lotérica, na tal mega da virada.
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Não sei se acreditei nos argumentos do amigo.
Assim como eu desconfiei, o policial, daqueles incorruptíveis, também estranhou ao receber a papelada e a nota de 50.
Não discutiu.
Levou Escova para o Distrito Policial para esclarecer “a tentativa de suborno”.
A prova, aliás, era incontestável.
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Foi um mal entendido, jurou o jornalista.
Voltava do trabalho, cansado que só. Trabalheira danada para ‘fechar’ as edições de sábado e domingo numa só jornada. Ainda mais a presepada do fim de ano, em que a turma da redação só quer saber quem folga no Natal, quem folga no Fim de Ano e quem é o bacanudo que tira férias agora e só volta em meados de janeiro.
“Tente compreender, amigo. Não fiz por mal” – disse o Escova e ouviu como resposta:
“Não sou seu amigo”.
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“Não é justo. Sou um trabalhador…”
A frase se perdeu no ar.
E agora, ali estava o emérito repórter, à espera da autoridade_mor, pois era hora da mudança de turno na delegacia.
Que massada!
Tudo o que Escova queria era ir para casa. Ansiava por uma noite de sono daquelas em que nem se tem ao trabalho de sonhar.
Mas, não.
Quanto tempo ainda teria que esperar por ali?
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Vinte e tantos minutos depois – e fez-se a luz.
Chegou a Doutora Delegada.
Eis que deu-se o inevitável.
Mudou inteiramente o astral do nosso amigo; desde então, um confesso (quase) presidiário.
A Doutora Delegada, como todos a tratavam no Distrito, não tinha mais do que 30 anos, nem isso.
Era linda.
Mais do que linda.
Era tudo o que ele sempre sonhou em seus mais enlevados devaneios.
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Permitam-me uma observação.
Com o Escova, o lema era:
Todo dia era dia de encontrar a mulher da sua vida – tantas quantas que por ele passassem e ele se engraçasse.
Por que não em um Distrito Policial?
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“O que temos hoje?” – disse a jovem delegada, dando início aos trabalhos.
Embevecido e prontamente, apaixonado, Escova nunca imaginou que a voz de uma autoridade pudesse se tornar música para seus ouvidos.
Temeu pelo pior, no entanto.
Que o seu caso fosse logo o primeiro a ser chamado.
E foi.
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Ao se ajeitar na cadeira em frente a ela, teve – o que chamou depois para nós, na redação de… – a antevisão do paraíso. A Doutora virou-se para guardar a arma (que tirou da bolsa) no alto de um armário, a blusa subiu um tantinho e duas pequenas estrelas surgiram, lúdicas e inspiradoras, tatuadas logo acima do cós da calça.
Fechou os olhos para melhor memorizar a cena.
Sorriu ao lembrar que os xerifões do Velho Oeste usavam uma estrela espetada no colete à altura do peito para identificá-los como agentes da Lei.
Humilde e resignado, sentindo-se um privilegiado, agradeceu a mudança dos tempos e dos hábitos.
“Bendita nota de cinquenta”, murmurou baixinho.
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“O senhor disse alguma coisa?”
Odiou que ela o tenha chamado de “senhor”. Mas, desconsiderou. Resolveu enfrentar a bela que parecia ser também uma fera.
“Eu sou inocente. Foi apenas um descuido, eu esqueci que…”
O policial, causador da encrenca, nem deixou que ele concluísse e passou a narrar a versão do ocorrido.
Enquanto ouvia o depoimento, Escova pensou que seria o próximo a ser chamado para dar o outro lado da história, como reza e preza o bom jornalismo e o bom senso.
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Preparou-se então para contar à moça como foi cansativo o dia, o quanto trabalhara pesado. Não, não. Seria legal deixar claro que era apenas um homem só. Que gostava de cinema, teatro, viajar de quando em quando. Adorava música. Um romântico inveterado. Inclusive estava ouvindo um CD do Júlio Iglesias quando o amigo policial fez com que parasse o carro e…
“O senhor pode ir. Tiramos sua ficha, verificamos os documentos. Vou acreditar que foi mesmo apenas um descuido.”
(Ela tinha um tom firme e despachado, mas doce, doce…)
“É que eu…”
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Vã e inútil tentativa do homem com o coração dilacerado pela súbita paixão.
“Já lhe disse, senhor: está dispensado. Mas que tal fato não se repita.
Falou a instigante voz da Lei, era melhor obedecer.
Mas,o caradura do Escova jurou para si mesmo:
“Um dia eu volto!”
Só lhe aborrecia o fato de ela insistir em chamá-lo de senhor.
— O “Senhor” está no céu, lindona…
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TRILHA SONORA
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