Seria possível um quase assalto fazer uma vítima quase fatal?
Então, vou lhes contar…
Aliás, não sei se já lhes contei essa história. Se contei, desculpem-me o lapso de memória. É a idade, vocês entendem, não? Se não contei, conto agora – e de alguma forma vem no embalo das histórias de ontem…
Conto o milagre – e vocês vão entender porquê –, mas não os nomes dos santos.
Digamos que ela se chama Ela.; o namorado, Namorado e o “Ricardão”, óbvio, Ricardão. Fica mais fácil identificá-los – e inclusive saber das intenções de cada um.
Não preciso dizer que os três trabalhavam juntos – pois é, trabalhavam. Cada um em um departamento diferente. Mas, viam-se pelos corredores e diziam “bom dia”, “boa-tarde”, essas coisas que o politicamente correto manda e a gente obedece. Um dia esticou-se um olhar aqui, prolongou-se um “boa tarde” ali. Papinho, vai. Papinho, vem. Assim Ela o transformou em Namorado e até pareciam felizes.
Aliás, um Namorado apaixonadíssimo.
Como dizia, eram felizes até que veio a tal brincadeira de Amigo Secreto. Veio mais: o correio secreto do amigo secreto.
Há quem ache aqueles bilhetinhos anônimos sem graça pra caramba. Mas, há quem goste. Há quem inclusive tire proveito da situação. Preciso dizer que foi nessa que o Ricardão se deu bem. Mandou uns torpedos anônimos para a moça. Falou de sua feições etruscas – e sei que parte do pessoal correu ao dicionário para ver se o “admirador secreto” estava xingando ou elogiando. Falou um monte – e Ela nunca ousou contar para o Namorado a existência de tais e tamanhos bilhetes.
O Ricardão gostou do silêncio. Viu que havia uma abertura. Dá-lhe mensagens, declarações, poemas, letras de música. Ela não resistiu. Escreveu de volta ao ainda “Admirador Secreto”. Foi sincera demais. Disse que Ela, mesmo com o Namorado, se sentia “uma mulher absolutamente só”.
Era a deixa…
O Ricardão foi pra cima – e, não é difícil imaginar por todos os lados, de todas as formas.
Ela não resistiu. Encantou-se…
Só que havia o Namorado. Como se livrar dele?
Tentou uma conversa franca. Mal insinuou que queria “dar um tempo” (aliás, mulher quando vem com essa é porque tem marmanjo na parada), o Namorado foi taxativo.
— Eu não vivo sem você. Aliás, você também não vive sem mim.
Ingênua que só, Ela ainda tentou argumentar que era exatamente isso. Se dessem um tempo, e Ela sentisse a falta do Namorado e sofresse e chorasse, então teria certeza de que ele era o homem da sua vida.
Desta vez, foi mais taxativo ainda.
— Você não entendeu. Eu não vivo sem você porque lhe amo. Está claro? Agora, você não vive sem mim simplesmente porque eu mato você se souber que tem algum gabiru à sua volta.
Ela mudou o tom da conversa. Percebeu que o Namorado não estava brincando.
— Se não tiver coragem, mando alguém fazer o serviço, acrescentou ele.
Assunto mais do que encerrado. Não se tocou mais em separação. Aliás, Elazinha tinha mesmo essa dificuldade. Não sabia dizer não. Tanto que também não disse não para o Ricardão.
Desde a conversa, o Namorado andava estranho.
Mas, a cada encontro, o Ricardão se superava.
Digamos que ali nasceu o jargão “a esperança — leia-se, desfrute — venceu o medo”.
Tudo caminhava sob controle. Ela, infeliz e feliz; mas, satisfeita,. O Namorado, desconfiado. O Ricardão, do jeito que mais gostava. No armário, e se dando bem.
Até que naquela tarde, dois homens entraram armados na empresa. Gritavam enlouquecidos. Queriam saber do cofre, do dinheiro, das jóias. Ao ver a cena, a mulherada – e como trabalhava mulher ali – também se pôs a gritar desesperada. Foi o que os antigos chamavam de “fuá”. Uma correria.
O ladrões gritando…
As mulheres gritando mais ainda…
A correria…
Os bandidos desistiram. Não havia como controlar a situação. Do jeito que apareceram, se foram…
Ninguém acreditou. Alguns caíram de joelhos em oração. Outros choravam. Muitos riam aliviados. Abraçaram-se. Festejaram. Até que o diretor reuniu o pessoal e pediu silêncio, pois gostaria de dizer algo.
— Todos estão bem?
Foi nesse exato instante que se ouviu gemidos vindos de uma das laterais da casa.
Correram para janela – e não acreditaram no que viram. Ela estava estatelada no chão do estacionamento, com algo parecido com “um mapa-mundi” que pegava o olho direito e toda a testa.
Havia tentado fugir, saltando da janela – algo em torno de dois metros, dois e pouco de altura. Tropeçou e caiu de cabeça.
— Fiquei com muito medo…
Ela tentou se justificar na maca a caminho do hospital.
Ninguém entendeu.
Só ela, o Ricardão e agora vocês sabem a verdade.
Consciência pesada.
Ficou com muito medo. Mas, não dos ladrões. E, sim, do Namorado. Que ele cumprisse a promessa…
[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]