Os blocos voltaram às ruas – e estão fazendo renascer o carnaval de São Paulo.
Antenor viu a notícia na TV – e lembrou sua juventude, as marchinhas, o lança-perfume, os brotinhos lindos, lindos.
Sentiu-se feliz por ter vivido aqueles dias.
Não havia passo-marcado, tempo de desfile, essas coisas todas que põem a perder a espontaneidade de uma manifestação tão nossa, tão popular.
Tempos depois o carnaval deixou-se encaixotar nos bailes dos salões dos clubes e das associações – e as ruas ficaram desertas, a cidade vazia.
Por mais desinibido que fosse, Antenor não era da turma do samba-no-pé. Por isso nunca encarou uma escola de samba. ‘As fantasias são uns trambolhos’, desdenhava.
II.
Ia e vinha nesses pensamentos quando ouviu um baticum diferente.
O bom de morar naquela área de Pinheiros (que hoje chamam de Vila Madalena) era exatamente este: o de estar no meio da ‘muvuca’, como diziam os netos.
Resolveu sair para conferir a folia dos novos tempos.
Alegrar-se-ia um pouco ao rever o que um dia viveu.
Quem sabe, não arriscasse uns passinhos?
“Mamãe eu quero, Mamãe eu quero…”
III.
Andou pouco mais de dois quarteirões e já estava no olho do furacão.
Recostou-se à parede de uma casa para não atrapalhar o fluxo da bagunça.
Notou que havia mais gente do que supunha. Muitos com latinhas na mão e olhos e fala calibradíssimos.
Essa meninada de hoje não perde tempo, pensou.
IV.
Não se sentiu à vontade no meio do empurra-empurra.
Jogou a culpa na inexorabilidade do tempo para o seu desconforto.
Mas, o naipe de metais da ‘Furiosa’ também não ajudava; estridente, desafinado em muitos momentos.
O repertório não era adequado. Quase não havia marchinhas.
Entendeu que era melhor voltar.
O que foi, foi – pensou resignado.
V.
Foi nesse momento que viu passar uma linda Colombina, como que saída daqueles idos e vividos.
Encantou-se.
Se tivesse 30, 40 anos a menos, iria lhe fazer a corte.
Diria:
“Posso acompanhá-la. Serei o seu Pierrot…”
Ops.
Uma dúvida.
Pierrot ou Arlequim?
VI.
Ficou confuso.
Tem marchinha que diz:
“Um Pierrot apaixonado/que vivia só cantando/por causa de uma
Colombina/acabou chorando, acabou chorando”.
Mas, tem aquela outra, ‘Máscara Negra’:
“Eu sou aquele Pierrot/que te abraçou/ e te beijou, meu amor”.
Pierrot ou Arlequim?
VII.
Foi embora com a dúvida, sem saber que, especificamente para aquela Colombina, Pierrot ou Arlequim estavam fora de cogitação. Todos os rodopios dela eram endereçados a outra Colombina, de olhinhos brilhantes e receptivos, apesar da lágrima pintada no rosto.
O tempo é mesmo inexorável.