Tento desmarcar o habitual encontro que tenho aos sábados pela manhã com o amigo Escova.
Vou ao celular, mas nem sequer preciso explicar o motivo da minha provável ausência que o parceiro de longas jornadas entende o meu desalento.
“Também não estou nada bem, cara”.
Ele também se desculpa, e vai falando:
“Em outros tempos, ficaríamos a manhã inteira, o dia inteiro, jogando conversa fora sobre os lamentáveis fatos de ontem. Beberíamos umas e outras naquela velha mania que tínhamos de projetar um rumo bom para o país”.
“Éramos jovens, e inconsequentes” – completo citando a maneira como o grande Tonico Marques nos definia à época. Marques era um experiente jornalista, nosso chefe e guru. Dávamos nossos primeiros passos na profissão e, por que não dizer? – na vida.
“Éramos sonhadores, e acreditávamos” – arremata o amigo.
Sinto que a conversa vai longe, e tento encurtar o papo.
“Pra semana a gente se fala, parceiro. Fica com Deus”.
“Você também”, ele diz, mas não desliga e arremata:
“Você viu a desfaçatez do Willian Bonner falando que o jornalismo da Rede Globo é independente, e isento? Você viu?”
“Vi. Ele estava defendendo os repórteres que foram ameaçados pelos manifestantes nos arredores do apartamento do Lula…”
Não consigo terminar a frase. A voz do amigo está embargada do outro lado da linha.
“Não é – e nunca foi” – diz.
“Os fatos são irrefutáveis. A Globo foi subserviente à ditadura. Colaborou a ponto de, entre outras coisas, manter em sua grade um programa chamado “Amaral Neto, o Repórter” que fazia a apologia das conquistas realizadas pelo regime militar, lembra?”
Lembro, ô se lembro.
Ele continua:
“Tentou ignorar e desclassificar as manifestações das Diretas em 84, lembra? Falou que era uma demonstração de religiosidade e fé a multidão em frente à Praça da Sé em pleno 25 de janeiro, lembra?”
Claro que lembro.
Estava lá, cobria o evento. Foi inesquecível. Aliás, naquele dia, teve origem o bordão (ainda hoje usado): “O povo não é bobo. Fora Rede Globo”.
“Lembra de 89? E a famosa manipulação da edição do debate Collor e Lula apresentada pelo Jornal Nacional, dias antes da eleição presidencial?”
“Foi uma vergonha para o jornalismo brasileiro” – digo.
E agora é minha vez de explicar:
“O episódio foi tão grave que acabou com a demissão do editor Vianey Pinheiro (que se sentiu traído pela manipulação reportagem em favor de Collor) e influenciou decididamente na queda de Armando Nogueira, então diretor de jornalismo, e da editora executiva Alice Maria. Ambos sequer foram avisados da intervenção da família Marinha no modo como deveria ser veiculada a reportagem”.
“Pois é meu caro… Faz o seguinte. Vem pra cá. Vamos por essa conversa em dia. Nem tudo está perdido. Em quinze minutos lhe encontro no Sujinho de sempre na rua Bom Pastor”.
– Escova, não estou no barato de…
Em vão, meus argumentos. Não tenho alternativa.
Não posso deixar o amigo esperando. Lá vou eu.
Será a vingança dos últimos remanescentes do Incrível Exército de Brancaleone contra essa mídia entreguista que manipula e conspira e desinforma.