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Caminhemos

Meu saudoso cunhado Zé Mango era um obstinado. A tudo aquilo que se dispunha fazer, queria fazer “bem feito” e, para tanto, dedicava horas e horas de estudo e dedicação.

Era um perfeccionista.

No trabalho, e no lazer.

Sim, porque o homem trabalhava muito. Era chefe no Laboratório de Análises Clínicas do renomado Instituto Penido Burnier, em Campinas.

Mas, nas horas vagas, descontava. Esquecia de tudo e se afundava, de corpo e alma, em hobbys qualificados.

Lembro de dois. Ou melhor, de três.

O primeiro foi fotografia.

Numa época em que fotos coloridas só com máquinas importadas, sofisticadas e caríssimas, o Mango ajeitara, num canto do quarto, milhares de cromos enfileirados e organizados por tema. Uma preciosidade.

Outro que me lembro era a coleção de canetas tinteiros.

Tinha raridades, verdadeiras jóias que, segundo minha irmã Doroti, comprometiam consideravelmente o salário do mês.

Numa época, o Zé Mango deu de ser criador de peixes ornamentais – e uma profusão de aquários invadiu a casa da família. Ele passava madrugadas em claro a observar o comportamento dos peixes, de diversos tipos e procedências. Também entabulava trocas com criadores de todo o Brasil.

Numa tarde, minha irmã resolveu dedetizar a casa.

Resultado: não sobrou uma alma viva. Quer dizer, um peixe vivo.

Foi o fim.

Mas, além de um breve acesso de fúria, ele até que compreendeu que ela não teve intenção.

Menos mal.

Aliás, por falar em Zé, da digníssima esposa Doroti e hobbys, acabei de lembrar de uma outra atividade que encantava o moço (O Zé morreu cedo com 35 anos. Uma lástima!).
Ele adorava tocar violão. Comprou um belíssimo Di Giorgio e ‘viajava’ em acordes e harmonias de clássico do nosso cancioneiro popular.

Certa noite, ele caprichava nos bordões ao tocar Caminhemos, de Herivelto Martins. Um primor a apresentação que fazia a mim e a minha irmã. Só que o Zé não era lá um grande cantor. Foi quando a Doroti se ofereceu para interpretar a pungente canção.

Ele avisou logo:

— Mas, é para levar a sério, hein!

Ela topou – e começaram o ensaio. Pra valer.

Duas horas e tanto depois, estavam tinindo. Só faltava o finalzinho.

Foi então que tudo aconteceu.

A Doroti se empolgou e imaginando-se a própria Dalva de Oliveira não prestou a devida atenção às armadilhas dos tempos verbais.

Sem perceber, soltou a seguinte pérola:

“Caminhemos
Talvez nos VEJEMOS…
… depois”

Foi o fim da cantoria, da promissora carreira artística da Doroti e quase quase foi o fim do Di Giorgio de estimação que o Zé, de raiva, ameaçou jogar contra a parede.