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Comemorar o quê?

"Tudo certo como dois e dois são cinco". (Caetano Veloso)

01. Com a devida vênia dos meios de comunicação, cada vez mais cúmplices e porta-vozes oficiais, o terceiro ano do Plano Real foi saudado com grande euforia pelas diversas lides do governo Fernando Henrique Cardoso. As trombetas oficiais soaram, em alto e bom som, nesses primeiros dias de julho, para anunciar o feito que os planaltinos consideram histórico: a sustentação de uma moeda forte (apesar de todos os pesares), com o tão almejado controle da inflação.

02. Como não poderia deixar de ser, esse foi o tema de todas as conversas e pronunciamentos. Inclusive o do presidente. FHC se empolgou na explanação, passou da conta no falar, usando quase sempre o plural de modéstia. Dava a entender que, aqueles que o ouviam, professavam igualmente os mesmos argumentos. A seleta platéia de empresários, políticos e convidados especiais, porém, foi tomada de súbita sonolência com o esticar do assunto. Entre um "Plano Real fez isso" e um "nosso Governo fez aquilo", muitos não resistiram e se deixaram levar por um cochilo incontrolável que, flagrado por indiscretas câmaras de TV, acabou por revelar o lado constrangedor da cerimônia.

03. O presidente, aliás, também falou cinco minutos em cadeia nacional de rádio e televisão. Continuou a fazer a apologia das conquistas reais como se fossem sociais. E, cá para nós, deixou estarrecida boa parte dos brasileiros que, talqualmente São Tomé, gostaria de ver para crer. Gostaria de vivenciar essas conquistas que certamente não sabe onde estão, nem para quem são. Como nada vê de real a inspirar seu cotidiano, passa a crer que o presidente, embora faça charme e negue, já está em campanha para reeleição em 98.

04. De resto, essas inflamadas comemorações de aniversário do Real lembrou-me outras solenidades, igualmente dúbias para o povão, mas que eram registradas com toda pompa e circunstância a cada 31 de março, quando a Redentora de 64 completava mais um ano de vida. À época, os generais-presidentes e seus asseclas espalhavam enganosamente aos quatro cantos desse País os "milagres" e "vitórias" da Revolução, enquanto por aqui, ao rés do chão, no decantado Brasil do futuro, aumentava cruelmente a devastação política, econômica, ética e social. O que resultou, a bem da verdade, numa fragorosa disseminação do contingente de miseráveis e desvalidos.

05. Doze anos depois do restabelecimento democrático e de quatro presidente civis (na teoria, comprometidos com o social), lastima-se constatar que pouco — ou quase nada — mudou no sentido de melhoria da qualidade de vida de nossa gente. Era a inflação que nos sufocava e pungava nosso parco salário. Hoje, o desemprego e o ferrolho da Economia nos tangem para o cordão dos excluídos. E o Governo — como tantos outros — que prometeu Reformas Já e uma luta incessante por Saúde, Educação e Segurança insiste em ficar nas promessas, flerta com o futuro dos nossos sonhos, mas o que faz mesmo é preparar-se para o ano eleitoral. O objeto de seu desejo e de suas ações está explicito. Quer mesmo permanece no Poder, sabe-se lá até quando…

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