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Crônicas de Viagens – Viena

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Fotos: Arquivo Pessoal

21 – Mozart por testemunha

É um senhor pra lá dos 70, e caminha sozinho pelas ruas de VIENA.

Um turista, por certo.

Indisfarçável na vestimenta. Usa uma jaqueta caqui de sarja grossa, larga, de grandes bolsos repletos de mapas e tem nas mãos um volumoso guia da cidade. Completam o figurino o chapeuzinho desses moles, abas curtas, enfiado na cabeça para protegê-lo do sol e, óbvio, traz a indefectível máquina fotográfica pendurada no pescoço (que ele é das antigas, como se vê).

Alguma dúvida? Mais turista que isso, impossível.

Aproxima-se lentamente de onde eu estou, em frente à estátua de Mozart no Jardim de Burggarten no Centro Histórico da lindíssima capital da Áustria. Senta-se num banco próximo e só, então, posso perceber que o senhor tem as feições de Rubem Braga, o Sabiá da Crônica brasileira.

Fico mais apatetado do que já sou.

Nunca estive sequer a um quarteirão de distância do saudoso jornalista e escritor.

Mas, o conheço desde a infância.

Um dos professores (não consigo me lembrar do nome) leu para a classe do quarto ano primário uma de suas crônicas que falava da véspera de São João em Recife. Fiquei encantado. O autor parece conversar com o santo e a gente magicamente participa do diálogo. Não sei se porque estávamos em junho, me senti próximo do que aquele texto dizia. Era um jeito bom de escrever que em nada se assemelhava às narrativas formais que éramos obrigados a ler e analisar na Antologia Portuguesa, livro que nos serviu de base para as aulas de Português e, acreditem, Oratória.

Retomei a leitura de Rubem Braga anos depois, no cursinho pré-vestibular, e foi para a sempre.

Tenho todos os seus livros – e os releio sempre que posso.

Alguns trazem fotos e autorretratos que revelam como Rubem Braga era em diversas fases da vida.

Essas imagens vêm agora à minha mente – e eu mal consigo tirar os olhos do desconhecido que, indiferente aos meus devaneios, continua a consultar o guia.

Bem que poderia ser o Grande Braga, penso.

Se fosse, como me apresentar e o que lhe dizer?

Talvez eu pudesse ser sincero e lhe deixar com certo peso na consciência:

“Aquele professor e o senhor têm culpa total pelas bobagens que escrevo.”

Imaginem? Que petulância, a minha. Sem noção.

Braga se foi em 1990. Aos 77 anos.

De repente, como um amigo de longa data, o simpático senhor me pergunta num inglês afrancesado (que só entendi porque não domino nenhum dos dois idiomas) se preciso de ajuda. E me oferece o guia para consultá-lo.

Agradeço como posso e, como posso, tento lhe dizer que mais tarde pretendo ir a Schönbrunn com um grupo de amigos que, aqui, vivem.

Ele dá de ombros e se despede em tom amável:

— Au revoir, monsieur.

Eu não deixo por menos, capricho na pronuncia e mando ver:

— Au revoir, Sr. Braga. Sou seu admirador.

* Publicado em 03/06/2010

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