Foto: Arquivo Pessoal
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Cena 1 –
Um fim de tarde qualquer em frente ao Golfo de Sorrento.
O mar brilha e sopra forte o vento sobre o velho terraço.
Um homem abraça a moça, carinhosa e intrepidamente.
Parece ser uma despedida.
É provável.
Ela chora baixinho diante do inevitável – e ele, a lhe confortar, diz palavras que se fazem canção:
Te voglio bene assai
Ma tanto tanto bene sai
É uma catena ornai
Che scioglie il sangue junto vene sai.
Cena 2 –
A noite cai, silenciosamente.
O homem, agora ao piano, experimenta acordes vagos, punjentes.
Quer que a declaração se faça verso e melodia.
Cena 3 –
Faz uma pausa, e volta ao terraço.
Seus olhos divisam luzes em alto-mar.
São lanternas que, imagina, buscam refletir outras rotas.
Recorda as noites que viveu na América, a fama, o fausto, o fascínio de quem ousou sonhar e partir.
Sonhar e amar.
O rastro de espuma branca da hélice do barco interrompe a divagação, como a lhe dizer algo ainda imperceptível.
Pode ser a canção, a última melodia que lhe vai na alma.
Até a morte lhe parece mais doce.
Cena 4 –
Volta-se para mulher amada.
E se vê diante daqueles olhos verdes tão profundos como o mar que os acalenta.
De repente, ela deixa escapar uma contida lágrima que o faz retomar a declaração:
Te voglio bene assai
Ma tanto tanto bene sai
É uma catena ornai
Che scioglie il sangue junto vene sai.
Cena 5 –
Enredo de uma ópera?
Bem que poderia ser.
Mas, é a letra de uma belíssima canção. Que tenta – e consegue – captar a força e a nuance do momento limite.
Leio que o compositor Lucio Dalla (1943/2012), com tal música, pretendeu retratar poeticamente os últimos dias do renomado tenor italiano Enrico Caruso (1873/1921), “o maior cantor lírico de todos os tempos” no entender de outro grande, Andrea Boccelli.
Não pensou em narrar o drama pelo drama.
E, sim, captar a intensidade do real, do instante. Único, definitivo…
A revelar a vida tão efêmera quanto o rastro branco da hélice de um barco qualquer.
O que você acha?