Amigo Escova.
Lamento não estar por perto.
Não sei se poderia socorrê-lo.
Tomei conhecimento de suas aflições pelo blog de nosso amigo comum.
Aflições que, registro, são naturais à personagem Dom Juan que você tanto gosta de interpretar – e assim o fez vida afora.
(Leia o livro, assista à peça em cartaz com Rodrigo Lombardi, emocione-se com a ópera Dom Giovanni.)
No mais, o quê lhe dizer?
As mudanças vêm – e são incontroláveis. Físicas, psíquicas, afetivas…
Nada será como antes, meu caro.
As questões existenciais são o sal da vida.
Vão e vêm com uma constância quase regular.
São o que o vulgo chama de ciclos de vida.
Os magos e esotéricos falam que se alternam de sete em sete anos.
Pela minha experiência em consultório e dirigindo táxi (que é o melhor laboratório para se conhecer e estudar o comportamento humano), dou de barato que, para a maioria, cinco ou seis, estão de bom tamanho.
É sempre difícil reconhecermos o exato momento que vivemos.
De um jeito muito nosso, nunca estamos satisfeitos – ou plenamente satisfeitos – com a vida que temos.
Sempre queremos mais.
Gosto de observar as pessoas.
Há um novo tipo de sociedade se consolidando. A dos sentimentos líquidos.
O negócio do "ficar" é bem paradigmático desse modelo. Alguém já escreveu que vivemos os tempos de sentimentos liquefeitos, de amores vãos. O “eterno enquanto dure” do Poetinha nunca durou tão pouco.
Tudo é muito rápido, instantâneo. Sem significado.
Até para nos informar é assim. A leitura é cada vez mais fragmentada, superficial, etérea.
A web e as redes sociais consagram essa toada.
A linguagem que predomina é a da imagem – o vídeo, as fotos.
Veja o boom das máquinas digitais, e a moda de se autofotografar. No celular (que eu considero uma praga), não se deixa mais recado sonoro, se manda um torpedo.
Todo mundo está conectado, mas só. E em dúvida e dívida consigo mesmo.
Bom, creio que o assunto renderia um livro ou, no mínimo, um artigo científico.
Mas, a verdade é que estou em outra.
Descobri que meu século – estética, social e filosoficamente – acabou quando o grande Frank Sinatra morreu.
Desisti da minha tese de doutorado sobre Mulheres Que Amam Demais, pois descobri que as tais já não amam tanto assim…
Aqui onde estou, cultivo incerta solidão.
Há um risco de perder o contato com o mundo exterior, com a tal sociabilidade.
Mas, estou convicto que nem o mundo exterior, nem a sociedade perderam algo de relevante com a minha deserção.
É isso, companheiro.
Fique com meu abraço, e a minha solidariedade.
Nicola
De algum ponto do Caribe