Eram amigos desde a infância.
Mas, coerente aos seus princípios e fins, Alê não foi ao casamento de Estropício que, apesar do apelido, não era tão mal assim. Tanto que Niquinha, a garota mais bonita do bairro — e também a mais falada — o escolheu como seu legítimo esposo.
Assim que voltou da lua-de-mel, Estropício, ainda na bronca, foi tirar satisfação com o amigo.
— Alê, o que foi que lhe deu cara, convidei para ser meu padrinho, desconversou. Beleza! Cada um, cada um. Agora desaparecer no dia do casório foi mal, cara. Qual é, irmão?
— Estropício, sou teu amigo. E continuo sendo. Só não topei ser cúmplice da sua desgraça…
II.
Tales era amigo de Agostinho que amava Paulinha que amava Tales que era amigo de Agostinho, mas não sabia da história e se engraçou com Paulinha e fizeram segredo do romance até que resolveram casar…
Detalhe: os três trabalhavam na mesma empresa.
Quando Agostinho soube, perdeu o chão e o resto de cabelos que ainda resistia à inexorável ação do tempo.
Pobre Agostinho!
O rosto de Paulinha, angelical. Olhar atrevido. O riso de Paulinha, cativante. Paulinha e o amigo Tales de mãos dadas, que cena. Jamais esqueceria. Não poderia viver assim.
Mudou de trabalho, de bairro, de cidade, de Estado.
Os anos se passaram.
Agostinho não esqueceu Paulinha. Mas, também já se habituara àquela desilusão.
No automático, vivia e deixava viver.
Até que um dia, alguém bateu à sua porta e Senhor Agostinho, como era conhecido naqueles cafundós, atendeu como sempre fazia: aos berros. Meio que injuriado, como se alguém, de repente, fosse acabar com o seu sossego.
— Se vier em nome de Deus, que seja bem-vindo. Mas, venha numa perna e vá na outra.
Era uma moça linda. Rosto angelical. Olhar atrevido. Riso cativante.
Paulinha?
O tempo também se fizera refém da beleza da moça?
Como assim?
Agostinho baqueou…
Como ela me descobriu aqui – pensou.
Sonhou alto ao perceber que Tales não dera sinal de vida.
Será?
— Tio Agostinho? Andréa, muito prazer. Vim convidá-lo para as bodas de prata dos meus pais, Paula e Tales, seus amigos, lembra deles?
Uma agulhada crispou o coração do homem. Nem tudo estava perdido. Convenceu-se, ali mesmo, que seria uma bela vingança. Conquistaria Andréa e…
Ela tinha algo mais a lhe dizer.
— Ah, e também faço muito gosto que o senhor participe da cerimônia do meu casamento. Vamos fazer um festa só…
Não houve resposta.
Ouviu-se apenas o baque de um corpo que tombou.
Dia seguinte, no velório, o falatório era geral. Um homem sempre tranqüilo, qual a causa do infarto que matou Agostinho naquele exato instante? Uns falavam da emoção de ser lembrado tantos anos depois. Mas, havia uma senhora que joga búzios, com ares de quem sabe das coisas, que dizia exatamente o contrário.
— Foi a raiva de nunca ter esquecido…
III.
Foram feitos um para o outro.
Ao menos, era nisso que acreditaram nos primeiros tempos, aqueles tais do “só vou aonde você for”.
Foi por essa época, aliás, que Camilo, um cinquentão bem apanhado, resolveu ser sincero com Luana.
— Amor, me sinto tão feliz, tão feliz que chego a duvidar.
Camila ficou feliz com a fala, mas nada entendeu.
— Então, amor, quero que você me faça um favor. Fique com esse cheque meu em branco. Se me acontecer algo. Uma doença grave. A morte. Sei lá. Você tem como cobrir as eventuais despesas.
— Que loucura é essa Camilo?
— Não é loucura, não, amor. Não sou mais menino. E você sabe como sou precavido, né.
— Que bobagem…
Luana guardou o cheque – e até se esqueceu dele.
Até porque a cada dia o Camilão parecia remoçar.
O homem sabia viver.
Sempre foi um solteirão convicto. Aprendeu a curtir a vida. Era mesmo de fazer inveja.
Ela própria, alguns anos mais nova, deslumbrava-se com a ‘pegada’ do companheiro.
— Parece remoçar a cada dia…
Remoçou tanto, aliás, que logo a trocou por uma com 20 anos a menos.
Quando soube, Luana não quis acreditar.
Sofreu o tanto que se sofre nessas ocasiões – e os ais, aqui, são inevitáveis.
Mas, é da vida e dos amores.
Um dia em conversa com uma amiga comum soube que ele embarcaria para uma longa viagem ao redor do mundo ao lado de Sueli, a nova namorada.
— Como alguém pode se apaixonar por alguém com esse nome? – retrucou visivelmente enciumada.
Ficou revoltada. A viagem que haviam planejado. E o bandido levaria outra. Como pode?
Estava nessa de horror quando a amiga lhe lembrou do cheque em branco.
Bateu um dilema na hora.
— Devolvo ou não devolvo?
Pensou em devolver. Apanhou o telefone. Não queria nada daquele velhaco.
— Isso mesmo, amiga – ouviu e estranhou.
Mas, e se a Sueli atendesse o que diria?
“Toma que o cheque é seu”.
Não, nem pensar.
Resolveu não se precipitar. Despediu-se da amiga – e foi embora.
Tomaria um bom banho, dormiria tranqüila, amanhã pensaria no que fazer…
Quem não dormiu, na verdade, foi a amiga que, mal acordou, ligou para Luana.
— E aí, amiga, o que você resolveu?
Entendeu que a moça era mesmo uma fofoqueira.
Provavelmente, deveria ser uma armação de Camilo para reaver o cheque.
Sabia o quanto era orgulhosa.
Por isso, Luana caprichou na resposta:
— Quanto ao cheque não vou devolver, não. Vou depositar. Nem que seja só para comprar uns vestidinhos, umas coisinhas bobas. Uns presentinhos para mim mesma que fiz tanto por ele. Tinha guardado o cheque na urgência de eu ter que enterrá-lo e não ter dinheiro. Mas já que não tenho mais essa preocupação vou enterrá-lo vivo. E com roupa de festa…
[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]