Foto: Arquivo Pessoal
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Claro que lembro, Escova.
Sim, sim, ela se chamava Marilene. Assim mesmo – e não Maria Helena. Grafava-se e se dizia Marilene.
Onde anda, amigo?
Não faço ideia.
Era uma espécie ‘coringa’ da então Gazeta de São Bernardo, um jornal de circulação quinzenal e distribuição gratuita e domiciliar na cidade onde hoje moro.
À época, acho que ainda residia no Ipiranga. Mas, você lembra?, eu cuidava do ‘fechamento’ de cada edição nas oficinas da empresa em que trabalhávamos em São Paulo. A velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.
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Era uma “moça de beleza singular” (você que me disse), séria e compenetrada nas diversas funções que exercia. Chegava às primeiras horas da manhã de terça. Trazia um pacotaço de matérias ainda datilografadas em laudas para que eu diagramasse as (quase sempre) 16 páginas da edição da semana.
Atenta, acompanhava o meu risque e rabisque.
Aproveitava para ir distribuindo os anúncios nos lugares devidos, página por página. Também me ajudava na hierarquização das reportagens. Qual a manchete de cada editoria, quais as retrancas, as colunas, essas coisas todas…
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Tinha um zelo danado para que a GSB saísse nos trinques.
Lembra? O arquivo de fotos cabia inteiro em uma caixa de sapatos.
Outros tempos…
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Por vezes, o ‘fechamento’ se prolongava madrugada a dentro.
Confesso que era um tanto desesperador. Tínhamos horários rígidos para encaminhar as páginas prontas, montadas e revisadas, na gráfica que rodaria o jornal.
Sinto falta da adrenalina daquelas horas desafiadoras.
Mas, de boa, prefiro não revivê-las.
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Justiça que lhe faço!
Nessas horas, pudemos – Marilene e eu – contar com seu irrestrito apoio, Escova. Você aparecia do nada para nos dar uma força e nos tranquilizar:
“Muita calma nessa hora. No fim, dá certo. Se não der, é porque não chegou ao fim.”
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Uma determinada semana, Marilene não veio.
Apareceu um rapazote, estudante de jornalismo, para substituí-la. Me entregou o pacote de sempre, repleto de reportagens que, desta feita, narravam a repressão violenta à primeira greve dos metalúrgicos do ABC.
O pau cantou nas ruas centrais de Bernô City.
Políticos como Ulysses Guimarães, Almino Alfonso, Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Suplicy, entre outros do então MDB foram prestar solidariedade aos manifestantes. Acabaram refugiados na igreja matriz, abrigados corajosamente por Dom Cláudio.
Abril, de 1979, se a memória não me falha.
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Fizemos uma bela edição.
Mas, sentimos a ausência da combativa chefinha.
O rapazote sabia pouco dela. Disse que foi convocado pelo ‘patrão’ às pressas. Não nos explicou por onde andava a Marilene. Mas arriscou um palpite:
– Acho que ela pediu as contas. Vai casar.
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Desde então, perdemos a Marilene de vista.
Lembro que você, Escova, ficou triste, triste.
Vale lembrar que vivíamos a pré-história dos ágeis processos comunicacionais hoje em voga.
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Anos mais tarde, quando você comprou seu primeiro celular, numa conversa de fim de noite no bar Riviera, deixou escapar a real:
– Que saudade da Marilene! Se houvesse celular à época, a história poderia ser outra.
Mas, não foi.
Em compensação, Escova, foi a primeira vez que ouvimos falar num líder sindical aguerrido, barbudo, que mudou a história deste país.
Jose Reis
18, dezembro, 2019Parece que uma das melhores coisa da nossa vida é abrir a nossa caixa de memória e contar as experiências que passamos ao longo da nossa vida profissional. Parabéns Rodolfo