Para o grande público, o cantor e compositor Peninha apareceu em 76 ou 77, se bem me lembro. Veio com o romantismo exacerbado de "Sonhos", um sucesso extraordinário. Tocou direto no rádio, mesmo com a pecha de "brega" – à época, se dizia "cafona", "bokomoko"…
Certa tarde, o amigo e colunista de TV, Ismael Fernandes, chegou todo lampeiro à Redação. Acabara de conhecer o artista que, por sinal, morava perto da sua casa, entre os bairros do Ipiranga e Vila Prudente. Prestativo como de hábito, Isma não se acanhou em marcar uma entrevista exclusiva para o jornal em que trabalhávamos.
O saudoso amigo era uma figura única, de dedicação e afeto.
— Agora, é só você confirmar por telefone, lembrou-me ao deixar sobre minha mesa um recorte de papel amarfanhado com o número.
— Você, está me tirando, né? – respondi visivelmente contrariado.
Escrevia sobre MPB — e, por vezes, me fazia purista demais no assunto. De resto, reconheço que o ‘pavio curto’ herdei dos meus avós paternos, vindos da Calábria, sul da Itália. Mas tenho melhorado consideravelmente…
— Como assim? – devolveu um estupefato Ismael, sempre tão generoso.
— O País vive um momento de transição democrática. Gil, Caetano, Chico, Milton, Elis. Tanto trabalho novo na praça, e você quer que eu saia atrás do Peninha. Me poupe!
Óbvio que entramos numa discussão inócua sobre arte e cultura, novelas, vanguardas, função social do jornalismo e quetais. Coisa típica de uma redação dos anos 70, onde tudo era motivo de polêmica e altercações. No fim, salvavam-se todos em alguma mesa de bar noite adentro. Neste caso, o próprio Ismael se responsabilizou pela reportagem que, verdade seja dita, teve ótima aceitação entre os leitores e na própria editoria do jornal.
II.
Anos depois, estou politicamente correto entre os espectadores do show de Caetano Veloso no Palácio das Convenções do Anhembi. Como sempre, esperava ávido a hora do banquinho e violão. É quando os músicos deixam o palco e o baiano repassa, de um jeito intimista e peculiar, algumas canções que podem não fazem parte do seu repertório – mas, que ele adora cantar.
Caetano sempre surpreende.
Foi assim que ouvi a então inédita "Meu Bem, Meu Mal" numa tocante leitura. Depois, Gal transformou a canção num dos hits dos anos 80. Neste mesmo dia, porém, uma certa melodia me revirou do avesso Emoção pura.
E, querem saber? A letra e a música não me eram inteiramente estranhas. Versos simples, verdadeiros, falavam de um amor que se perdeu. Havia, ali, um andamento mais cadenciado, talvez. Mas, de longe foi o momento mais bonito do espetáculo…
Torci para que Caetano repetisse a canção na hora do bis. Depois, voltei para casa com a idéia fixa de que ele deveria incluí-la em seu repertório. E que o moço andava inspiradíssimo…
III.
Na manhã seguinte, comentei o assunto na Redação. Queria saber que música era aquela. E foi próprio Ismael que desvendou o mistério ao cantarolar toda uma estrofe da canção. Seu nome: "Sonhos". Seu autor: Peninha, o próprio…
— As pessoas mudam, e esquecem de avisar os amigos, né, rodolfão? – ironizou Ismael.
Da ala feminina da Redação, veio outro comentário. Provocativo, diria.
— O que faz uma dor de cotovelo…
Fiquei na minha.
Como consolo, restou-me a certeza de que falou mais alto o lado sentimental dos meus avós maternos, de Florença e Mantova – norte da Itália. E não tenho melhorado nada nesse aspecto.
Ademais, que atire a primeira pedra, quem nunca sussurrou baixinho, com ou sem música, com ou sem rima, algo assim:
"Mas não tem revolta , não/ Eu só quero que você se encontre
Ter saudade até que é bom/ Melhor que caminhar vazio
A esperança é um dom/ Que eu tenho em mim
Não tem desespero, não/ Você me ensinou milhões de coisas
Tenho um sonho em minhas mãos/ Amanhã será um novo dia
Certamente eu vou ser mais feliz …"
Seremos todos mais felizes. É isso…
[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]