Marceleza me cobra porque não dei um depoimento pessoal sobre a implantação do AI-5 no post do dia 13 de dezembro.
– Está em falta com o leitor, meu querido, diz.
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Amigo distante – e fugidio -, esse paulista raro (nasceu em Caraguatatuba e, até onde sei, vive em Taubaté, mas tem pronunciado sotaque carioca onde cresceu e foi criado) me dá a honra de ser um dos amáveis cinco ou seis leitores que, vez ou outra, aparecem por aqui no Blog.
É um provocador, e por ter protagonizado algumas das tantas e quantas das minhas despretensiosas crônicas, sempre que pode e acha justo dá lá sua colaboração.
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Ele não chega a ser um ombudsman do Blog, pois a função pertence a outro amigo, o Escova, embora este licenciado em seu exílio voluntário numa pequena cidade no interior da França.
Acho oportuna, porém, a observação do Marceleza.
Tenho assim a chance de discorrer sobre o tema na conversa de hoje. Mesmo sem ter muita coisa a acrescentar – e, de boa, lembrar outro cinquentenário, este muito bem vindo: o do do lançamento de um dos marcos da nossa música popular, o disco Tropicália ou Panis Et Circensis.
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Aos 18 anos, às voltas com o encerramento da minha formação no segundo grau, não tinha a necessária compreensão do que acontecia no Brasil.
O professor Cassemiro, de Sociologia, era o único que nos punha em contato com a realidade que vivíamos. Os jornais eram censurados – e, em casa, pouco se falava sobre o assunto.
A única recomendação que recebia do Velho Aldo, meu pai, era pra que não me metesse em política “que era encrenca certa”.
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Dimensionava o tamanho da “encrenca” pelo que pude presenciar nas batalhas entre estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco com a cavalaria do Exército nas ruas do centro de São Paulo.
Eram frequentes.
Eu trabalhava como balconista numa loja de disco, ali, no começo da rua São Bento – e, dia sim e outro também, éramos obrigados a fechar rapidamente a porta de aço na hora que o conflito esquentava.
Muitas vezes, no afã de escapar das cacetadas e das bombas lançadas pelos milicos, a rapaziada se escondia dentro da nossa loja. Para espanto do gerente, um tal de Sérgio, e para alegria minha e do Diogo, o outro lojista, que lhes davam guarida.
Havia um deles, não me recordo o nome, que sempre nos pedia que colocasse no toca-discos o elepê do Caetano, do Gil, do Tomzé e outros.
Então, acontecia o improvável. O pau comendo lá fora e a gente a ouvir os trinados de Gal Costa na dolente e enigmática “Baby” ou o fuzuê de Gil em “Batmacumba” ou ainda a anárquica “Panis Et Circenses”, com a turma dos Mutantes.
Eram as nossas preferidas embora ouvíssemos o disco da primeira à última faixa, várias vezes.
O que deixava o gerente desconfortável enquanto nós, eu e o Diogo, de alguma forma, por instantes, imaginávamos ser um deles.
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Sobre a aberração do Ato Institucional – número 5, eu só fui entender o que representava, dias depois, quando soube que Gil e Caetano estavam presos “por desonrarem o hino nacional”, Benjor seria ouvido para que explicasse o teor da música “Charles, Anjo 45” e Geraldo Vandré e Chico Buarque seriam exilados “pelo que diziam em suas canções”.
Quem trouxera a informação foi um senhor que morava no Ipiranga e trabalhava numa grande gravadora.
“Os meninos correm sérios riscos” – ainda lembro a expressão do homem de uns aproximados 50 anos. “Também vão mexer com quem não devem.”
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Como disse lá em cima, no início da conversa, eu não sabia exatamente o que estava acontecendo. Mas, tinha noção exata de que lado eu estava.
O que você acha?