Queria falar das coisas legais deste início de Copa. A vitória da seleção (sofrida e malajambrada), o bom desempenho de Oscar, Neymar, David Luiz e Luiz Gustavo. A volta por cima do tatuado Marcelo após fazer o gol contra. Queria falar do momento do hino, da emoção de ver o maior evento do Planeta em nossa terra natal.
Queria, mas paro por aqui.
II.
Volto no tempo para lembrar uma noite insone. Foi lá nos confins de 1985. Novembro. Houve a primeira eleição para Prefeitura de São Paulo depois de anos e anos de prefeitos biônicos, indicados pelo ditador de plantão. Madrugada adentro, víamos – eu e os meus pares – aumentar a diferença entre o candidato da direita e o outro que, à época, simbolizava a ala progressista. Acabávamos de fundear a democracia no País, e significativa parcela do eleitorado paulistano embicava descaradamente para a direita, para o retrocesso.
O que estaria acontecendo com a nossa gente?
III.
Outra parada no tempo.
Tarde de sábado, 16 de dezembro de 1989. ‘Mauricinhos’ e ‘Fofoletes’ invadem as pistas da Avenida Paulista para desfilar o incondicional apoio à candidatura de Fernando Collor para a Presidência da República no primeiro pleito livre, com voto direto, que se realiza após o fim do regime autoritário.
Outra madrugada mal-dormida. É visível o destempero do tal Caçador de Marajá, há certa histeria no ir-e-vir dos manifestantes.
É preocupante.
IV.
O que tem a ver essas tristes recordações – a vitória de Jânio sobre FHC e a eleição de Collor – com o jogo de ontem?
Nada e tudo.
Senti o mesmo desalento daqueles dias com o que vi e ouvi ontem no Itaquera Stadium,. Os ‘bem-apessoados’, que puderam pagar os dilacerantes ingressos da Fifa, não se contentaram em vaiar a presidente Dilma Roussef e Fifa.
Foram além.
Mostraram imensa falta de educação e civilidade ao agredir a ambos com palavrões e impropérios. Por três ou quatro vezes, ouviu-se o coro mandando a ambos para aquele lugar.
Quanta deselegância!
V.
Fixo-me mais especificamente na figura da presidente Dilma.
Hostilizá-la desta forma, naquele momento em mundialmente alcançávamos uma audiência superior a 1 bilhão de espectadores, é no mínimo um desrespeito à democracia e à instituição que ela representa. Foi eleita pela maioria e pelo voto direto; portanto, tem legitimidade para ocupar o cargo que ocupa.
Discordar, vaiar, é do jogo. Maltratá-la, odiosamente, como ontem aconteceu, é uma ação facistóide.
VI.
Mais do que isso, tal comportamento demonstra uma desconcertante pobreza de espírito a comprometer o futuro de um País fraterno, igualitário e justo. Imagine a criança que viu papai e mamãe proferindo palavrões – que belo exemplo recebeu sobre como deve ser sua conduta social vida fora.
Outro coisa: é injustificável a ignorância que exibem pela história de vida desta mulher que enfrentou os horrores dos porões da ditadura para que ‘mauricinhos’ e ‘fofoletes’ e todos os brasileiros tivessem o direito de se manifestar nas ruas e praças, nas arquibancadas dos estádios e da vida.
VII.
Caros, me perdoem o tom do post de hoje.
Para um cara de sessenta e tantos, que viveu o que viveu, que viu o que viu, e votou neste e naquele, arrisco dizer que não foi só uma noite de sono que perdi.
Temo ter perdido a esperança…