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O Golpe

Tinha pouco mais de 13 anos naqueles dias atribulados de março de 1964.

Tento lembrar o que houve nas manhãs que precederam o Golpe, e me vêm à mente cenas fragmentadas e um (in)certo sentimento de que imaginávamos o pior – lógico, as crianças, sem noção do que acontecia, reverberavam o que ouviam dos adultos e dos noticiários radiofônicos.

“Tatararan Taram Taram… Aqui fala o seu Repórter Esso em Edição Extraordinária. Alô, alô Repórter Esso, alô…”

II.

Na rua Muniz de Souza, onde eu morava, dia sim, outro também, havia a mobilização dos operários da Fábrica de Latas Americanas, dois quarteirões distante da minha casa, com seus macacões azuis, pesados, e olhar entristecido, como se algo de muito ruim estava prestes a acontecer.

A mãe dizia que estavam em greve, e que não ficássemos de bobeira pela calçada onde brincávamos, pois poderia haver confusão.

III.

Em casa, o pai (adhemarista, convicto) e o tio Nandinho (janista ferrenho) já não discutiam sobre as notórias diferenças políticas de cada um – é bem verdade que o falatório sempre terminava, após uma esvaziarem a garrafa de vinho Capelinha, em desafinado dueto de “O Sole Mio”, na versão original.

Naqueles tempos, também eles – ou principalmente eles – andavam preocupados com os dias vindouros. Ajudavam-se na aquisição de alimentos que seriam distribuídos entre a parentada.

Se viesse a guerra civil, todos precisariam estar preparados.

Era mais do que provável. Uma quase certeza.

IV.

Eu queria jogar futebol. Era minha única preocupação. Mesmo assim acrescentei três novas palavras ao meu singelo vocabulário: greve, golpe e guerra civil.

Ocorrem-me outras lembranças daqueles idos.

A saber:

Alguém faria um comício monstro no Largo do Cambuci.

Os comunistas eram uma ameaça.

(“Comunista”, outro termo desconhecido até então)

A roubalheira estava demais.

(Não lembro de usarem a palavra “corrupção”)

Os Estados Unidos iriam intervir.

O Exército estava de prontidão, pronto a agir.

Havia uma campanha chamada “Doe ouro para o Brasil” e os estandartes vermelhos da TFP nas ruas.

V.

Vez ou outra, o pai recuperava o bom humor.

Dizia que nada poderia oferecer ao Brasil porque as joias da família, sem tradição e propriedade como a nossa, estavam todas à espera do resgate na Casa de Penhor.

*amanhã, continua…

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