Foto: Divulgação
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Rafael me pergunta sobre o livro do Chico Buarque – Anos de Chumbo.
Diz que leu e releu (são oito histórias curtas, contos de relato ágil e fluente; quem gosta lê numa sentada) – e ainda não consegue fechar questão: se gostou ou não gostou?
“Difícil assimilar, mas é um áspero retrato do Brasil de hoje, não?” – ele me pergunta e conclui algo desalentado:
“Não sei se gostei ou não. Professor, me dá umas coordenadas que quero ler de novo.”
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Entendo a reação do Rafa.
Chico Buarque escritor, digamos, é mais exasperante na criação dos personagens e das cenas do que o Chico compositor – embora em uma ou outra letra de música aquele apareça fortemente.
Geni e Zepelin é um exemplo.
Entender a diferença, creio eu, é o primeiro passo para nos acomodarmos no universo do autor e suas histórias impressas.
O lirismo, a poética e a sinuosidade criativa de suas canções passam longe dessas narrativas.
Chico escritor tem um olhar mais despudorado, igualmente cortante, para a realidade. Ora lhe dá ares fantásticos que nos aproxima do realismo mágico. Ora nos intriga e faz pensar (óbvio, se nos propusermos a tal desafio).
Considero, portanto, natural, Rafa, que num primeiro momento a sensação que temos é a de espanto e negação.
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Uma lembrança, quase coincidência:
Há 30 anos, Chico lançou Estorvo, considerado seu primeiro romance.
Desconfio, meu caro Rafa, que experimentei situação muito próxima a que você hoje diz experimentar.
Vamos defini-la como um estranhamento.
Recorri, então, a um bom e cordial amigo, jornalista, que escrevia sobre livros.
Ele me fez algumas observações:
1 – entender Chico Buarque como um autor em plena sintonia com o seu tempo. Mais do que se imagina, ele vai além da crônica urbana, é um aguçado repórter, de olhos atentos às miudezas da vida. Elas são determinantes.
2 – é muito engenhoso nas descrições dos personagens. Mas, não faz concessões nem a eles, menos ainda ao leitor.
3 – nada do que Chico escreve é por acaso. Fundamenta-se em sólida construção literária, não se permite o uso de qualquer filigrana.
4 – ele é um cidadão engajado, comprometido com o social – e isso se reflete em sua obra. Qualquer que seja a obra. Sempre.
5 – detalhe importante: ele é mais um literato do que um musicista. No texto, é onde se sente mais à vontade.
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Achei algo genérica a dica do amigo jornalista.
Aos poucos, porém, lendo os livros de Chico – Benjamin, Leite Derramado, Budapeste, Meu Irmão Alemão, Essa Gente, entre outros – , (re)ouvindo suas canções e assistindo a uma ou outra remontagem de suas peças teatrais, fui me inteirando, gradativamente, da diversidade do universo autoral chicobuarqueano.
Está entre minhas referências literárias.
Adorei Anos de Chumbo.
Mas, li e reli uma história por vez. Uma em cada dia. Para refletir, e me deliciar por mais tempo.
Ajudei?
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O que você acha?