Foto: Arquivo Pessoal
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Virou um hábito meu no tal isolamento social que a pandemia nos impôs:
Dei para olhar aviões.
Todo fim de tarde é assim.
(Quer dizer, quase todos.)
Saio para a sacada do prédio onde moro no 19° andar e me planto a fiscalizar ares e terra – ops, faltaram os mares, mas não se pode querer tudo nessa vida.
Confiro, então, lá na superfície, a quantas anda o trânsito pelas ruas e praças que me cercam.
Dá pra ver um trecho das duas pistas da já congestionada via Anchieta.
Tem carro pra caramba e, a cada dia, me parece, aumenta mais.
Fase 2 e importante para meu campo de visão: avalio se a linha do horizonte está mais pra lá do que pra cá a depender das condições atmosféricas.
Verifico atenta e ludicamente se a lua já anda pela aí, à solta, entre nuvens e estrelas que, com a noite, não tardam a chegar.
(A bem da verdade, nem sempre as tais aparecem.)
Tento guardar na mente o contorno dos edifícios, dos mais próximos aos mais distantes, como a memorizar uma dodecafônica pauta musical.
Nessa toada, me apraz esquadrinhar o lento e gradativo acender de luzes, uma a uma, em cada janela dessas impassíveis e acinzentadas estruturas de cimento.
Os luminosos – ei-los! -, ao se acenderem, trazem mais cor e brilho.
Carnavalizam o entardecer.
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Mas, senhores, o que faço com gosto mesmo é perscrutar se, à minha esquerda, naquelas paragens longínquas, de quando em quando, estala no céu um enigmático brilho prateado como se fosse fogos de artifício. E, pouco a pouco, à medida em que singra os ares, vai tomando a forma de um moderno pássaro de ferro que, indiferente a tudo e a todos, segue em minha direção.
Ao cabo de instantes, está sobre minha cabeça a zunir e se perder nas alturas.
Tolo, imagino viagens futuras ao mesmo tempo em revivo lembranças e lugares por onde andei.
Viajo em mim.
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Como os amigos leitores sabem, moro em São Bernardo do Campo, longe do aeroporto de Congonhas.
Não tenho na memória se nos idos do velho-normal era assim.
Se cá estávamos sob a rota dos aviões.
Também, é bom que se diga, não havia em mim esse pascácio costume de vigiar os céus.
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Lembro, sim, que no momento em que eclodiu a pandemia – e se propôs o necessário fique-em-casa – o silêncio por essas bandas se fez absoluto.
(Só quebrado pelas sirenes das ambulâncias.)
Foi quando adquiri o hábito de sorrateiramente sair a sacada para vislumbrar o tudo e o nada.
Tempo de espera, desconfiança – e medo.
Havia dias em que era possível enxergar a silhueta das montanhas que, desconfio, ficam pra além de Congonhas, nas mais distantes paragens paulistanas.
Houve até quem comemorasse tal fato – “o fim da poluição”, “o céu mais limpo…”
Sinceramente ainda hoje prefiro nem pensar.
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Confesso:
Ainda me falta coragem para rabiscar meus planos de voos pessoais mais entusiasticamente.
Por enquanto, só me dou conta que chegamos a dezembro, o último mês do ano, vigio o horizonte a esperar os aviões – e rezo.
Por dias melhores. Para todos…
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O que você acha?