UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Arquivo Pessoal)
…
– A vida do amigo Felisberto, o Filósofo, é digna de um livro.
– A nossa, compadre, a nossa…
Falou e disse Carlos Artúlio que se achega à nossa conversa sem que nos déssemos conta.
Como sempre, rouba a cena.
Chega chegando – e dizendo:
– Vou lhe dizer. Até planejei uma minissérie. Me intriga: temos trajetórias diversas e, por fim, tão semelhantes. Há um belo arcabouço dramatúrgico nesse encontro. Um roteiro, sabe? Nossas andanças por aqui, algumas reflexões. Não é à toa que o chamam de filósofo. Moinhos de ventos, e dulcineias a perderem-se de vista na linha dos sonhos e da memória. Até rabisquei uma sinopse.
…
O Cavaleiro Andante e seu fiel escudeiro?
Mostro interesse pelo tema.
Sempre me interessou escrever reportagens na área do comportamento, entender o complexo tecer dos fios dessa intrincada teia social que chamam de sociedade, sem sociologismos que não sou desse porte. Encontros e desencontros, algo mais chão mesmo, o dia a dia, longe de qualquer tese acadêmica. Ser assim uma espécie de historiador do cotidiano.
Algo que a Literatura, a arte em si, capta, no meu modesto modo de pensar, mais do que qualquer ciência social.
– Dom Quixote e Sancho Pança, faz sentido.
– Não ouse o sapateiro ir além das chinelas, diz Felisberto, o Filósofo, e eventual Sancho Pança da história.
Carlos Artúlio rebate:
– Menos Italiano, menos é mais, lembre-se. Nada tanto assim. Apenas homens comuns num lugar que o admirável mundo novo, tecnológico e brutalizado, esqueceu. Até há pouco se dizia que vivíamos a era dos sentimentos líquidos, fugazes. Não é assim?
…
Gosto de ouvir o ator.
– Porém, e sempre existe um porém, como dizia meu amigo Plínio Marcos, o pessoal da TV não topou o projeto. Quer dizer, até topou. Mas, a proposta era nos juvenilizar. Dar ação às locações na Bocaina. Seríamos – eu e o Filósofo, os personagens – praticantes de esportes radicais. Rapel, alpinismo, trilhas, rafting – um Juba e Lula do século 21. Ou seja, nada entenderam do que propus. Queria mostrar o resgate de valores como fraternidade, respeito à natureza, coletivismo, a dimensão do belo e do necessário nas coisas simples, sensatas e sinceras.
Conclui, sem alterar o tom de voz:
– Então, foi minha vez de dizer não. Que sentido faria?
…
Que pena, digo. Num recurso baixo para continuar a conversa.
– E aí?
– Aí, nada, Italiano. Guardei a papelada no meio dos livros velhos e de outras poucas tranqueiras que guardo no chalé. Sinceramente, nem sei que fim levou. Lembra o que lhe falei da ilusão de sermos relevantes para o mundo, para as pessoas? Tudo se resume à consciência em reconhecer as verdades que o tempo leva.
…
Reparo que o Filósofo se apoquenta com a nostalgia do amigo – e se adianta em melhorar o ânimo:
– O compadre é muito generoso. Um poeta que prefere os atos às palavras. Viveu grandes amores, grandes personagens, grandes momentos. Dias de glórias. Depois veio pra cá para repartir com a gente toda essa rica jornada, como um igual. A vida dele, sim, dá um livro.
– Está mais para um folhetim do tempo do Império, amigo Felisberto.
Do nada, assim, o Ator com A maiúsculo saiu-se com um lindo poema:
Somos fiéis
Aos amores impossíveis
Às vozes de ontem
Às promessas de eternidade
À mão do companheiro
E ao olhar da amiga
…
Há silêncios que são reveladores.
Aqueles breves segundos, por exemplo.
Embevecimento.
De repente, surpresos, ouvimos o romper de aplausos e mais aplausos.
Como assim?
Todos olhavam para nós (para ele, no caso, mais especialmente).
Gritinhos de uhuh!
– Bravo!
– Bis, bis, bis.
Ele agradeceu cerimonioso – e disse o nome do poema e do autor:
Fidelidade, do amigo Mauro Salles, publicitário e sensível poeta.
…
Filósofo me puxa pelo braço e diz baixinho:
– É sempre assim. O Compadre Tio Carlos sempre que aparece, rouba a cena.
…
O que você acha?