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O recital

Assistiam a um recital, como bons amigos que eram e acabavam de se reencontrar por força daquele compromisso para o qual foram convidados.

Vale dizer que gostaram do reencontro, tanto que não se desgrudaram desde o primeiro instante e agora estavam ali, um ao lado do outro.

Não eram lá grandes fãs de música clássica. Mas, ao fim de cada número, aplaudiam por aplaudir. Trocavam olhares, sorrisos e alguns comentários sobre o inusitado da situação que estavam vivendo.

— Nunca imaginei revê-la hoje aqui ao som de tão ilustres acordes, ele comentou.

II.

Ela sorriu. E lhe disse que estava se sentindo quase como aquela senhora que foi apresentada ao maestro João Carlos Martins, e disse não conhecê-lo. Para evitar o constrangimento, o senhor que fazia a apresentação insistiu:

— Mas, ele é o maior intérprete de Bach em todo o mundo.

No que a mulher respondeu…

— Então é isso, eu não freqüento bar.

Riram da gafe da senhora. Verdadeira ou falsa, rendera uma historinha divertida.

— Dez anos atrás (quando se conheceram) você não teria coragem de contar esse causo. Era tão formal.

III.

Fizeram silêncio para ouvir a música que começava.

Talvez pelos acordes melancólicos, talvez por mera curiosidade ou mesmo apenas para ter um motivo para continuar a conversa, assim que a canção acabou, ela lhe perguntou:

— Em que lugar você imagina estar daqui a dez anos?

IV.

Homem feito, lavado e enxaguado nos rasos e profundos do vale da vida, foi a vez dele saborear o silêncio por segundos.

Esperou que a nova canção se iniciasse para falar mais próximo ao seu ouvido:

— Em uma cidadezinha pacata em qualquer parte do mundo. Pode ser Bruges na Bélgica, Óbidos em Portugal, Cadeques na Espanha, qualquer aldeia litorânea da Costa Malfitana na Itália…

— Estou diante de um nobre, debochou.

Ele não se fez de rogado, e baixou a bola:

— Mas, pode ser um canto qualquer perdido na Serra da Mantiqueira, desde que bem acompanhado…

V.

As notas do violino solo inundaram o auditório a exigir atenção, e silêncio.

Cada qual deixou-se estar com os próprios pensamentos.

Ela ruminou planos para um futuro distante. Consolidar a carreira, encontrar alguém, ter filhos… Dez anos é muito tempo, conclui e desencanou.

Para ele, a questão era bem outra.

Todo lugar é o mesmo lugar. Queria mesmo eternizar o encanto daquele momento – com ela por perto – para todo o sempre.