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O último romântico das noites de domingo

Havia logo ali, naquele pedaço de céu atrás daquele prédio, uma redonda e debochada Lua cheia. Da janela do carro, a caminho de casa, deu pra vê-la e corteja-la. Afinal, é mesmo um sortilégio quando um espetáculo desses se apresenta aos nossos olhos entre os monstros de cimento da grande cidade.

Era uma Lua simpática, em tom sépia, a dar uma coloração alegre ao céu que se repartia em camadas de azul, claras e escuras. Nós, os preguiçosos, sabemos bem o quanto de amargor nos traz uma noite de domingo. Temos, portanto, razões de sobra para aplaudir tal aparição. Por ela – e só por ela – deu para esquecer o aproximar sombrio da segunda-feira e o arrastar de compromissos e afazeres da semana que ora se inicia.

Eu vinha distraído, confesso; algo desalentado – aliás, como me tem sido hábito –, a ruminar alguma idéia para o post de hoje. Mas, nada me convencia plenamente. Cheguei inclusive a pensar em dar um repeteco no texto que escrevi em 28 de outubro do ano passado (O Segredo do Dia 28), que fala da fé de um grande amigo em São Judas Tadeu, pois nesta data reverenciamos o Santo dos Desesperados.

Não chego a tanto. Mas, cogitei a possibilidade de escrever sobre a imagem que vi em uma igreja em Roma, próxima à Fontana de Trévise – esta mesma que andou com águas vermelhas dias desses. Foi em janeiro deste ano e até estranhei, pois São Judas Tadeu aparece sem barba e com um visual, digamos, mais jovial e atlético. Custei a crer que era o próprio. Mas, pelo pouco que pude entender da oração em italiano aos seus pés, vi que era ele mesmo – aquele que se bate por nós nas horas mais agudas dos desatinos.

A idéia ficou assim solta por um fio. Não conseguia lembrar o teor da oração. Também não gostaria de tornar público o que eu e o Padroeiro acertamos naquele súbito encontro. A graça ainda não aconteceu – mas, sei bem está a caminho. Questão de tempo. Os prezadíssimos leitores que me perdoem. Mas, o papo foi mesmo confidencial.

Acho até que estiquei um pouco demais a conversa naquela tarde. Não que forçasse a barra para convencê-lo ou não acreditasse nos poderes de São Judas Tadeu. Na verdade, estava bem cansado naquele fim de tarde e descansar um tantinho mais ali, antes de continuar a caminhada, me fez um bem danado.

Pois então. Estava nessa dúvida. Escrevo ou não escrevo sobre aquele encontro? Não gostaria de deixar os leitores curiosos – e sei bem que gostam de um bom mistério. Por isso, assim que vi aquela Lua resplandecente, não titubeei:

“Eis o meu assunto de hoje”, pensei em voz alta para me convencer do acerto.

Aliás, faria melhor. Do 19o. andar onde moro, a visão seria ainda mais bela. Bastaria que simplesmente eu descrevesse a Lua, a silhueta dos prédios na linha do horizonte, os tons de azul em contraste no céu, as luzes da cidade, as ruas e avenidas quase sem movimento…

Se desse sorte, ainda poderia ver um caminhante solitário com passo cambaleante e intuir que ali estava um homem apaixonado e só. O último romântico das noites de domingo.

Entrei a mil no prédio. Deixei o carro ainda com motor ligado para que o porteiro quebrasse o galho e estacionasse para mim. No elevador, fui montando o texto na cabeça. Começaria dizendo que aquela Lua é minha. Ou melhor, a Lua é nossa.

Peguei caneta e papel e fui para a sacada à flor da pele.

Só que a Lua já não era mais minha. Não era mais nossa. Simplesmente não estava mais lá. Uma grossa camada de nuvens a encobria – e não era difícil prever: tão cedo não sairia dali. Quando saísse, a bela já estaria em outro ponto mais distante do firmamento.

Confesso que fiquei desapontado, mas resolvi escrever o texto mesmo assim…

Afinal, os sortilégios duram apenas o tempo que duram, o tempo exato de quem sabe aprecia-los e/ou vivê-los intensamente…

É da vida e dos amores

[Texto publicado no livro “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”]

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