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Um dia cinza

"Se quiseres ser curado, descobre a tua ferida" (Boézio)

01. Há dias que são mais assim do que outros. Sabe-se lá o que pesa, incomoda, desconforta a alma. Mas, a verdade verdadeira é que eu, você, todos nós estamos sujeitos a esse tipo de tristeza inominável, que mal sabemos de onde vem ou para onde vai…

02. E a mãe da gente se preocupa, o amigo pergunta: e as boas?, mas já sabe da nossa sincera resposta. Nenhuma. Em casa, você não escapa do interrogatório sobre o que tem ou deixa de ter. Só que nem você mesmo tem a resposta. Acordou em pedaços, feito um filet aperitivo. E agora, feito um carro a alcóol com a bateria arriada, tem mais é que pegar no tranco e enfrentar um longo — estafante — dia de trabalho…

03. Ao longo do dia, há os que tentam melhorar o que se convencionou chamar de astral, como se fossemos sol, lua ou qualquer outro corpo celestial. E falam e aconselham e recomendam. Vale exemplos idos e vividos, poções mágicas que curam cara-feia, remédios milagrosos, piadas de todos os níveis e gostos, consultas ao horóscopo e os esgarçados chavões, tipo poderia ser pior ou
melhor assim, ao menos você tá empregado.

04. Assim a gente vai levando, tocando em frente, fazendo o tempo escoar pelo vão dos dedos da mão. Por mais otimista e bem-humorada que a pessoa seja, imagino que, em algum momento da vida, todos nós já enfrentamos a barra de estar pra baixo. Aí, companheiro, não há Dalai Lama ou Paulo Coelho que dêem jeito…

05. Um velho e saudoso amigo, aqui de Gazeta do Ipiranga, dizia que a gente sempre sabe aonde aperta o nosso sapato. E olha que ele, o Zé Armando, nem chegou a conhecer o pugilista Popó que, nesta semana, foi inapelavelmente nocauteado por um par de sapatos, que lhe castigou os pés durante solenidade no Congresso Nacional. Ao menos o campeão, que à saída desfilou com o calçado nas mãos, sabia o que lhe estava afligindo. Zé Armando dizia que devíamos ir por aí: fazer um sincero exame de consciência e, despachadamente, enfrentar as questões que nos afligem e, sem tentar encontrar justificativas ou argumentos, exibi-las aos olhos e tentar resolvê-las.

06. É certo que haverá algum custo pessoal e/ou financeiro, ou os dois. A vida é assim. Há sempre um preço a pagar. Para os brasileiros, que vivem no reino do tucanato, a expressão mais adequada seria há sempre um imposto a pagar. Mesmo assim, tal e qual bula de remédio, recomenda-se saber quais os problemas que nos incomodam e/ou os inimigos que rondam nossa moradia. Melhor enfrentá-los do que ficar se remoendo pelos cantos, arrastando-se vida afora em queixas e lamentações que, se olharmos com profundidade, não são tão importantes.

07. Aliás, o que é verdadeiramente importante neste ano de eleições presidenciais e copa do mundo? Adivinhe em qual desses acontecimentos o brasileiro vai viver com mais empenho e paixão? Qual deles entenderá como questão de vida ou morte? Veja só a comoção nacional em que se transformou o anúncio da lista do Felipão na semana em que o índice de desemprego bate recordes em todo o País. Será que o País — e nós vamos a reboque — resiste mais quatro anos de devaneios globalizantes sem que se transforme numa imensa Argentina?

08. A coluna não tem resposta para esta e outras tantas questões que hoje discuti num tom quase de auto-ajuda. Mas, caramba, foi bom falar desses dias cinzas de outono, lembrar o Zé Armando, sorrir da simplicidade de um campeão mundial, dizer que a gente tá saturado de pagar impostos, taxas e multas, alertar que futebol não é tudo na vida e estar atento ao processo eleitoral. É sempre oportuno falar da vida. Afinal, há colunas que são mais assim do que outras…

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