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Um jornalista às margens do Ipiranga

(* Leila Kiyomura Moreno, Jornal da USP)

É uma intimidade que conquistou com o trabalho. O trabalho de escolher, pensar e publicar as palavras certas. Seus editoriais no jornal Gazeta do Ipiranga (conhecido como Gazetinha) passaram a entrar nas casas do bairro. Compartilhar dos sonhos e protestos das famílias. E despertar o debate e a reflexão dos operários, empresários e políticos. Foi nesse cotidiano que Rodolfo Carlos Martino viu o repórter de 24 anos completar 46, quase sem dar conta de que o tempo voa entre as notícias.

— Ser jornalista é tão emocionante quanto massacrante, observa. Você vive mecanizado e não percebe que está esquecendo de registrar a sua própria história.

Nessa busca de si mesmo, Martino acabou se encontrando nos arquivos da redação. E se deparou com as reportagens do idealista da década de 70, querendo acabar com as enchentes da avenida do Estado, da Vila Carioca; que sonhava com o Brasil das Diretas-Já; se contagiava com o ritmo de Jorge Ben (o atual Benjor); o sorriso de Elis Regina e a emoção do futebol de Ademir da Guia.

Um reencontro luminoso não só do jornalista. Mas entre o leitor e o seu bairro, a sua cidade e País. Martino tirou desse baú de matérias pensadas em laudas de papel e máquinas barulhentas o melhor de sua trajetória. O resultado é o livro Às Margens Plácidas do Ipiranga que reúne textos que refletem o Brasil dos últimos 20 anos. Editado pelo próprio autor, está sendo lançado hoje (dia 9), às 19 horas, no Museu Paulista da USP.

Uma vida de trabalho

O dia-a-dia que o jornalista foi pontilhando na seleção dos textos contou com o olhar de outro colecionador de histórias: José Sebastião Witter, professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e atual diretor do Museu Paulista da USP. É ele quem prefacia o livro.

— Martino teve a feliz idéia de reunir seus escritos, observa Witter. É o resultado de uma vida de trabalho. Com isto, ele permitiu ao leitor que o acompanhou pela Gazeta do Ipiranga rever e compreender a sua maneira de pensar.

Witter lembra que o jornalista conseguiu compor um harmonioso exemplar com o toque mágico do Ipiranga, local onde começou a se firmar a idéia de uma nação.
"Às Margens Plácidas do Ipiranga traz o vivenciar das gentes de carne e osso que povoam suas casas modestas ou suntuosas e dão um colorido especial à cidade da qual este bairro singular é parte. E uma obra que olha o mundo pela ótica dos moradores do Ipiranga. Pois foi dentro do jornal independente dessa vila da Independência que o autor foi bradando pela sua própria liberdade como escritor. Creio que conseguiu o objetivo a que se propôs e o resultado surge com esta obra. É livro de se ler de uma vez só…"

Sem manuais de redação

Martino formou-se no início da década de 70, na Escola de Comunicações e Artes da USP. Tempo nublado pela repressão, pelo AI-5. Mas de muitos sonhos e esperanças. Era a ECA da sabedoria e ética do professor Wladimir Herzog, que morreu tragicamente em um domingo, 25 de outubro de 1975. "O jornalista não deve temer chegar ao fundo do poço na busca dos fatos, da verdade. É preciso encarar de frente todos os sacrifícios que esta verdade impõe. Não é muito fácil. Mas se não for assim, é melhor procurar outra profissão… "

Essa lição de Wlado é lembrada por Martino em seu livro. Uma lição que o orientou em seu cotidiano e na decisão de fazer o melhor jornalismo na pequena, mas ágil redação da Gazela do Ipiranga, onde é diretor desde 1978.

— Na época da repressão, os jornais de bairro eram os únicos porta-vozes da comunidade, lembra. Incentivavam a formação das sociedades amigos de bairro, das associações, clubes, valorizando a questão da cidadania.

Quando Martino começou a exercitar a responsabilidade diante dos fatos, não existiam os manuais de redação para limitar pensarnentos e padronizar os textos. Daí ter descoberto a força das palavras e a importância da reflexão. Transformou suas matérias, que também tem publicado nas sessões de cultura de diversos jornais e revistas, e editoriais em uma conversa com o leitor.

De cidadão para cidadão.

Nesse clima, Martino registra em Às Margens Plácidas do Ipiranga toda a seqüência dos movimentos e da luta das Diretas-Já até a morte de Tancredo Neves. Lembra, ainda, do dia em que o mundo assistiu estarrecido à explosão da nave Challenger, da paixão de carnaval do presidente Itamar Franco, da dor da morte de Ayrton Senna entre outras noticias que movimentaram o País.

— Creio não ser imodesto dizer que participei de um conjunto de inquestionáveis avanços e conquistas da emergente imprensa comunitária, diz Martino.
Aliás, estou certo de que se pode fazer o melhor jornalismo tanto na chamada grande imprensa como em qualquer um dos respeitáveis jornais de bairro da capital. Entendo mesmo que os valores morais, éticos e mesmo profissionais se equivalem para todos os jornalistas, seja qual for o órgão em que atue e propague o legítimo direito do homem à informação.

Rodolfo Carlos Martino é paulistano do Cambuci. Nasceu no dia 4 de dezembro de 1950. Cresceu às margens do Ipiranga, apaixonado por futebol. Estudou pelos colégios da região e casou-se com Maria Inês que morava no bairro. Tem um filho, Rodolfo, de 17 anos, goleiro do juvenil de Santo André, com quem divide também a paixão pela música de Benjor, ou Jorge Ben.

— Foi vivendo e trabalhando nesse bairro que entendi a grandiosidade do legado de Dostoievisky: Para ser universal, basta falar de sua aldeia, reflete esse jornalista. Observador do mundo. (09/06/1997)

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