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Ursão, o apelido

Nunca entendi o motivo de lhe chamarem de Ursão.

Sempre o tratei de Oziro (assim mesmo com z) – senhor calvo, de gestos finos e aparentemente tranquilo mesmo nas mais embaraçosas das reuniões de trabalho.

Também ele disse não saber o porquê.

Mesmo assim tentou explicar.

– Lá pelos meus 14, 15 anos eu já pesava mais de 100 quilos, era alto, beirava um e noventa de altura, tinha o andar arrastado e o pavio curto. Perdia a paciência fácil e partia para briga, sem esperar a turma do deixa-disso.

“O cara parece um urso brigando, dá cada patada” – diziam e Oziro não se importava.

O apelido pegou de vez quando, ainda no primeiro Colegial, Ursão surrou um veterano que cismou de atrapalhar o futebol que ele e os amigos jogavam na quadra de esportes.

– O cara era fortão também. Mas, foi uma patada só. E o Fulano se estatelou no chão. Fui parar na diretoria, suspenso das aulas. Quando voltei, adeus Oziro. Virei Urso, Ursão, até para os professores.

– Ninguém mais deu uma de valentão com a nossa turma e minha fama correu solta no bairro todo.

Chegasse aonde chegasse, no futebol, nas festinhas, a rapaziada do Ursão era bem chegada.

– No começo até gostei. Tirava uma de bacana, de popular.

Mas, certa noite, Ursão conheceu Maria Flor que odiava violência, era descolada, ouvia Beatles e James Taylor e pregava a paz e o amor. E que amor!

Não deu outra. Ele chegou chegando nos chegados – e deu a dura:

– O Ursão não existe mais. A partir de hoje, quero voltar a ser chamado de Oziro. Alguma bronca?

Todos concordaram (por motivos, óbvios). Mas, não foi tão fácil assim apagar “o passado de glórias”. Vez ou outra, alguém deixava escapar o apelido e Ursão, quer dizer Oziro (ou Zi, como Maria Flor o chamava) relevava.

Esta é mais ou menos a história.

Hoje, tantos e tantos anos depois, casado com Maria Flor, pai de uma trinca de filhos, o codinome não lhe cabe mais. Oziro não se importa. Até porque se há uma lembrança gostosa de lembrar é a do primeiro neto, o Enzo, com três aninhos, a ignorar todas as convenções e lhe chamar para o futebol:

– Vem chutar bola comigo, vem, Vovô Ursão!