As canções do Roberto completam 50 anos.
Do Elvis brasileiro a clone de João Gilberto.
Do Rei da Jovem Guarda ao mais renomado
cantor da história da nossa música popular…
Foi (e é) uma trajetória e tanto…
Marcou a vida de milhões de brasileiros.
A deste blogueiro, inclusive.
Por isso, a partir de hoje, publico uma
série de posts sobre o Rei.
Começo reproduzindo o post
O COCHILO DO REI
que escrevi em outubro de 2006.
Hoje, ilustrado pela foto
da amiga Jô Rabelo.
Dizem que recordar é viver.
Pois então…
Divirtam-se!
O COCHILO DO REI
"Eu não posso mais ficar aqui a esperar…
Que um dia, de repente, você volte para mim ".
Erasmo Carlos estava entusiasmado. Aliás, como não se sentia desde aquele fatídico domingo em que chegou à TV Record. Lá, foi informado que o Jovem Guarda havia sido retirado da programação dominical. Não lhe deram grandes explicações. Mas, fácil entender. Bastou lembrar John Lennon: o sonho acabou…
De 66 a meados de 68, o programa foi sucesso absoluto. Consagrou definitivamente a chamada música da juventude (esse tal de iê-iê-iê) e transformou Roberto Carlos, parceiro de fé e irmão camarada, em ídolo máximo dos brasileiros.
II.
Erasmão curtiu certa fossa, e incertos tempos de ostracismo.
— Pô, bicho, só sabia fazer aquilo. Ir lá no Teatro Record e cantar minhas músicas. Tudo girava em torno da nossa aparição na TV – explicou Erasmo anos depois em entrevista a um jovem e promissor repórter, que humildemente prefiro não declinar o nome.
Roberto continuou, como se dizia à época, na crista da onda. Era quase unanimidade nacional. Tinha a gravadora CBS aos pés, pois continuava grande ‘vendedor’ de discos. Chegou mesmo a ousar um vôo internacional, quando venceu o Festival de San Remo, da Itália, com a belíssima "Canzone Per Te".
III.
Sem outro jeito, Erasmão ficou na dele. Fez algumas parcerias com Benjor. Mas, nada aconteceu. Agora, não. Tinha certeza que as coisas iriam mudar. Foi o próprio Roberto quem lhe disse:
— Bicho, vamos fazer uma música inesquecível, a mais bela entre tantas que já fizemos. E quem vai gravar, originalmente, é você. Depois, sim, pensamos nas canções do meu disco anual.
Palavra de Rei não volta atrás. Assim aconteceu. Trabalharam por semanas. Reuniam-se com freqüência, em horários os mais absurdos. Mas, compensava. Tudo estava indo às mil maravilhas. A temática era a de sempre. A história de um grande amor que ameaça se perder nas sinuosas curvas da vida. Até título já haviam escolhido. "Sentado à Beira do Caminho", que tal?
(Há quem diga que a inspiração veio do maneiro blues “The Docks of The Bays”, de Ottis Redding, que fez um tímido sucesso por aqui. Mas, deixemos de suspeitas e continuemos nossa história.)
IV.
Numa determinada noite, marcaram de se encontrar para terminar de vez o trabalho. Estavam felizes, e algo cansados. Só lhes faltava o refrão que uniria todos os versos. E desse uma levada menos deprê à canção.
Horas depois, Erasmo estava inquieto. Andava pra lá e pra cá no amplo estúdio. Ora batucava baixinho no violão. Ora balbuciava palavras a esmo. Nada que valesse à pena. Resolveu apelar para o amigo que, imaginava, estar empenhado na mesma e torturante busca.
Olhou para o lado, cadê o Roberto? Foi descobri-lo em outro cômodo, num sofá, a saborear um belo cochilo. Papéis desarrumados sobre a mesa, caneta no chão. Roberto dormia sono majestoso.
V.
O amigo se indignou.
— O que é isto Roberto? O que é isto? Eu me descabelo (nesse período, todos usávamos longas madeixas) para achar a rima, e você dormindo, bicho. Meu Deus! O que é isto?
Roberto abriu um olho, depois outro. Passou a mão rosto, e tentou se recompor diante do amigo. Para disfarçar, se pôs a cantarolar, sem que se desse conta:
“Preciso acabar logo com isto.
Preciso lembrar que eu existo,
Eu existo, eu existo…”
Pronto. Ali surgia o refrão que Erasmo tanto perseguiu de olhos abertos, e o Rei descobriu nos confins dos sonhos – onde guardamos nossos amores e segredos, além do abençoado desejo de ser o que se é.