Sign up with your email address to be the first to know about new products, VIP offers, blog features & more.

Ao vivo e sem cores

A TV Cultura de São Paulo mostra um teleteatro exatamente como se fazia nos anos 50, quando ainda não havia vídeo-teipe nem cor.

“Fazíamos uma televisão sem modelos. A emoção era a base de tudo. Valia a espontaneidade de nossos 20 e poucos anos, a ousadia e a liberdade para criar tamanhas loucuras…”

Mesmo revelando um medo enorme da nostalgia (“Essa coisa de ficar falando só do passado me apavora”), o roteirista Walter George Durst mostrava-se muito à vontade na noite de segunda-feira, 8, nos estúdios de TV Cultura de São Paulo. Ele lá estava para assistir ao ensaio geral do teleteatro Calunga, que a RTC (Rádio e TV Cultura) leva ao ar nesta quarta-feira, 17, às 22h20, no melhor estilo do histórico TV de Vanguarda. Ou seja: inteiramente ao vivo, sem gravação em vídeo-teipe e em preto e branco.

Ao lado de Dionísio Azevedo e de Cassiano Gabus Mendes, Durst foi um dos idealizadores e realizadores do programa que, exibido na velha TV Tupi, de 1952 a 1963, formou toda uma geração de atores, como Lima Duarte, Henrique Martins, Luís Gustavo, o próprio Dionísio Azevedo, Lia de Aguiar, Laura Cardoso, David Neto e José Parisi, entre outros. “O TV de Vanguarda era nossa vida. Havia uma entrega total. Acreditávamos naquela utopia…”, lembrava Durst. “Preferi nem reler o texto que adaptei para TV em 1956 e que se transformou num dos teleteatros mais significativos da série. Acho que não resistiria à tentação de reescrevê-Io – o que, por certo, roubar-lhe-ia toda a autenticidade…”

A idéia desta remontagem, na verdade, não chega a comover Durst; roteirista de recentes sucessos como as minisséries da Globo, Rabo de Saia, Grande Sertão: Veredas e Memórias de um Gigolô, embora, para ele, a iniciativa seja sugestiva. Sobretudo pela forma inusitada de se homenagear os 36 anos da implantação da televisão no Brasil, que se comemoram dia 18 de setembro. De resto, vale pela participação de atores como Tony Ramos e Jofre Soares, que encabeçam o elenco, e também porque Calunga é um texto excelente, de uma incrível atualidade”.

Também o diretor da nova versão, Henrique Martins, preferiu dar uma importância apenas simbólica à encenação. Reiterou que é “uma merecida homenagem àqueles que criaram, sem quaisquer condições, uma escola de interpretação que persiste ainda hoje”. E assinalou: ” O novo TV de Vanguarda, deve ser visto como uma fotografia sem retoques e valorizado pela contribuição que pretende legar à cultura nacional”.

MEMÓRIA – O aspecto documental é um dos principais objetivos do recém-criado Núcleo de Ficção da TV Cultura de São Paulo, coordenado por Heloísa Castellar e Antônio Carlos Assumpção. Reviver Calunga aos moldes antigos é uma forma de resgatar para a memória da TV brasileira um de seus momentos mais preciosos – quando ainda não havia vídeo-teipe. Segundo Heloísa, outra pioneira da TV, “basta isso para saber que não foram em vão os dois meses de trabalho que o núcleo desenvolveu”.

O que se pretende – completou Assumpção – é recriar, com precisão, todo o ambiente da televisão naquele período e a forma como era realizado o TV de Vanguarda. Por isso, o programa será todo feito em estúdio, ao vivo, em preto e branco, com a mesma marcação e com alguns atores, como Turíbio Ruiz, Bentinho e Batucada, que revivem personagens da versão original.

Na primeira montagem de Calunga, os protagonistas eram Lima Duarte (Bernado) e Dionísio Azevedo (coronel Totó). Agora, nesses papéis, estão Tony Ramos e Jofre Soares – ambos absolutamente entusiasmados com o projeto. “Nem hesitei em aceitar o convite”, dizia o global Tony Ramos. “Tive o privilégio de trabalhar na Tupi durante 12 anos, cheguei mesmo a fazer alguns TV de Vanguarda. Era uma escola de interpretação. Achei esta remontagem uma oportunidade única de homenagear aquelas pessoas que tanto me ensinaram. O ator, segundo Tony, é “um bicho sempre pronto para fazer explodir a emocão”. Por isso, ele não vê maiores problemas em representar ao vivo. Aliás, uma das lições que aprendeu na velha Tupi foi a de nunca perder a sensação de que está representando ao vivo, mesmo quando há gravação em teipe.

“Na realidade, os recursos da tecnologia”, diz Tony Ramos, “devem estar à disposição do autor. Servem para que se melhore a composição do personagem, que se burilem suas características. Mas, só. O ator deve sempre se sobrepor ao teipe e preservar a impressão que, ao vivo, está fazendo teatro na TV.”

Único a se apresentar no ensaio de segunda-feira com as falas decoradas, o veterano Jofre Soares concordou “em gênero, número e grau” com as opiniões de Tony Ramo.” O importante”, acrescentou, “é que se passe a verdade do texto, a verdade do personagem e aí independe se é gravação ou ao vivo.”

O desgaste na próxima quarta-feira – ele reconhece – vai ser bem maior. Mas sobra, segundo ele, a grata satisfação de saber que se está abrindo um novo espaço de trabalho no restrito mercado para atores e autores nacionais. “Esta conquista, avalia, “merece todo e qualquer sacrifício. Até mesmo o de representar o ambicioso coronel Totó, um facínora pior que bicho, um verdadeiro demônio em forma de gente.” Revista Afinal