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Criador e Criatura (Nasci e Dogiva – parte II)

III.

Como sempre acontecia em ocasiões assim, as conversas cessaram diante da questão, de vida ou morte, colocada pelo nosso considerado Dogiva.

Com que roupa o repórter “de porta de cadeia” se apresentaria num evento repleto de celebridades? É certo que o termo ainda não estava tão em voga, mas a mudança era das grandes, ah, isso era mesmo…

— Quem diria, hein? Todo Dogiva tem seu dia de Amaury Júnior – ponderou o Cebola, um dos nossos, com uma visível ponta de inveja.

— Mas, é uma inveja do bem – esclareceu logo.

Enquanto o Nasci dava longas baforadas em seu cachimbo, com ares circunspectos, olhávamos desesperançados para o pobre Dogiva e seu tradicional uniforme de batalha. A botina de camurça que calçava era dos idos de 70, assim como o casaco verde-oliva sobre a camiseta branca e o velho jeans, mais desbotado que azul.

Percebendo as intenções da turba, Dogival deixou claro que pedira ajuda, sim. Mas, havia limites que não ousaria ultrapassar.

— Gravata, não. Nem pensar…

IV.

Foi a deixa para o Nasci tomar a palavra.

— A coisa é mais simples do que se imagina. Vamos fazer o possível. Milagre é outro departamento. O ET fica mais à vontade de terno e gravata do que o nosso amigo, Dogiva, sem querer ofender, mas já ofendendo…

Não sei se já lhes contei em crônicas anteriores, mas o Nasci fora produtor da TV Record. Mais exatamente do Blota Júnior Show, um programa de entrevistas de fim-de-noite na Record, em que um certo Jô Soares começou como repórter…

— Vamos mudar só básico. Alguém empresta um sapato para o rapaz que essa botina ninguém merece. O jeans fica esse mesmo, assim rasgadinho e gasto. Vão achar que é um repórter descolado. O Dogiva troca essa camiseta imunda – e eu vou lhe emprestar o meu ‘summer’ (na verdade, um paletó branco) e tenho certeza que você fará um bom papel…

Desnecessário dizer. O Nasci tinha sempre razão.

Horas depois, antes de seguir para o rega-bofe, um elegante Dogival passou pelo boteco para agradecer aos amigos e dar a tradicional talagada de aquecimento.

O cara não faria feio na tal de Fashion Week da vida.

Estávamos orgulhosos da nossa criação. Nasci, porém, fez questão de lembrar à criatura.

— Dogival, meu amigo, seja simpático. Educação em primeiro lugar. Esquece os jargões policiais e, lembre-se, a mulherada ali é de perder a cabeça…

Parece que o Mestre estava adivinhando…

(Continua amanhã…)

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]