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Dez anos depois…

Foi mesmo para mim uma noite inesquecível, aquela…

… 9 de junho de 1997.

O Museu do Ipiranga todo iluminado. Centenas de pessoas – algo em torno de 300, pouco mais, pouco menos – reunidas no salão nobre, e um camarada de terno de linho, beje e camisa azul lá no fundo, atrás de uma mesa a autografar o primeiro livro. Primeiro e até aqui único, acrescento com um tanto de tristeza e uma boa porção de decepção.

Eu era o cara.

O livro era (e ainda é, pois tem alguns perdidos pela aí e uns 20 aqui na estante de casa): Às Margens Plácidas do Ipiranga, uma coletânea de 50 crônicas, artigos e reportagens que escrevi em 20 anos de jornalismo. Entendam: o livro estava planejado desde 1994, mas só saiu mesmo três anos depois.

Mas, relembro que foi importantíssimo para mim. Ganhei um perfil na última página do Jornal da USP, escrito pela minha amiga Leila Kiyomura (leia em Uns e Outros, “Um jornalista às margens do Ipiranga” – 09/06/97) e outras tantas linhas em diversas publicações. Depois saí, cidade afora, a dar palestra e vender o livro onde e quando me chamassem. De clubes de serviços a universidades. De feira de artesanato a livrarias alternativas. Contei com a ajuda inestimável de bons amigos que foram fundamentais para que a pilha de livros se transformasse nesse punhado que hoje guardo com desvelo.

Não sabia. Mas, há uma política entre livrarias e editoras (onde não há no Brasil?) e não é fácil emplacar um título, digamos, alternativo. Devem ter lá suas razões.

De qualquer forma, entendo como uma bela aventura. Ainda não dava aulas, e acredito que esse périplo me preparou para, ano seguinte, chegar à Universidade Metodista. E buscar novos rumos para o meu sagrado ofício de enfileirar letrinhas.

II.

Para comemorar a data, pensei em fazer uma coletânea de frases legais que estão no livro – que, como sabem, está postado no site, com ícone na barra à direita. Havia até separado alguns trechos. No entanto, me deparei com um texto que escrevi em 26 de março de 1993, às vésperas do plebiscito que referendou o presidencialismo no País.

Entendo como uma das minhas melhores reportagens, perdoem-me a imodéstia. Vou replicá-lo aqui, por considera-lo oportuno. E conclusivo: este País precisa mudar!

III.

O Plebiscito

(Ele não respondeu a única pergunta que lhe fiz)

“Olhe, amigão, já acreditei demais nos homens e nas mudanças que anunciavam. Agora ando descrente. Também pudera… Diziam que o Brasil seria outro. Tinham discurso e solução para os males de nossa gente. Eram pessoas letradas. Haviam lutado contra a ditadura. Foram presas, torturadas. Exiladas. Lembravam dois companheiros mortos, desaparecidos. Tudo por um ideal…

“Contavam barbaridades. Para mim, eram heróis – desses que a televisão não mostra mais. Quanta coragem! Abrir mão da própria vida, correr riscos, afastar-se da família. Tudo por um ideal. Me convenceram. O dia em que a gente pudesse votar para presidente salvaríamos o Brasil do caos, da desordem, da miséria…

“Hoje sei que não é bem assim. Mas, ainda creio. Aliás, é uma das poucas convicções que tenho. Ninguém melhor do que o povão para decidir o destino do nosso País. Já sei, já sei…Vai dizer que nossas duas últimas experiências foram de-sas-tro-sas. Jânio e Collor… Argh! Um não agüentou o tranco da Presidência, o outro foi literalmente despejado do Poder. Aprendemos a lição, amarga, lição…

“Sabe, irmãozinho, o que aprendi nesses todos é simples. As coisas não se resolvem assim, no vapt-vupt. A gente tem que construir uma vida melhor para todo mundo. É processo democrático. Há que se estar atento. Devemos lutar por nossos direitos. Cobrar trabalho e honestidade dos homens que estão no Poder, especialmente daquele que elegemos, que transformamos em nossos representantes, seja no Legislativo, seja no Executivo…

“Moço, olha o vexame. O que Collor, PC & Cia nos fizeram não tem perdão. Sei lá de quantos anos, décadas, vamos precisar para nos recuperar dos estragos. O País já não andava lá essas coisas com a turma do Sarney. Mas, esse grupo de Alagoas detonou de vez. Ainda hoje nos surpreendem – negativamente – com cada história cabeluda. Também quem tem um irmãozinho daquele, convenhamos, não precisa de inimigos…

“Não foi fácil. Mas, o povo, soberano, como raras vezes em nossa História, conseguiu arranca-los de lá. Com tudo, é bom que se ressalte: nossa tarefa não terminou. Cadeia neles, gente! Parece que nossas autoridades estão vacilando O que estão esperando? Querem provar mais o quê? Justiça seja feita, pois. Cadeia neles! O exemplo de vê-los presos seria ótimo para intimidar outros tantos da mesma laia…

“A imprensa não cansa de publicar artigos sobre a vida de regalias que continuam levando. Jantares, churrascadas, reuniões íntimas, viagens, mansão no Morumbi, incursões às sofisticadas praias do nordeste… Vivem como verdadeiros nababos. Chega a ser uma afronta a nós, pobres mortais. Quanta impunidade! Se a gente não montar guarda, não cobrar punição para a gang, quando menos se espera, estão aí de volta. E ainda posando de vítimas…

“ Enquanto isso, não tem refresco para nós. Continuamos a mercê da própria sorte, desamparados Inflação, salários defasados, milhares e milhares sem teto, sem ter o que comer, atendimento médico precário, a ameaça de cólera, violência urbana… É o aparttheid à brasileira. A que ponto chegamos…

“Os fatos estão aí. Só não vê quem não quer. A diferença social é muito grande. Grassa pelos quatro cantos do Brasil. Infelizmente… A miséria é brutal. Poucos têm muito. E, ironia, fazem fila para comprar um carro importado de 300 mil dólares. A maioria absoluta não tem sequer o essencial. Grave, muito grave: não há expectativa de que algo vá melhorar. Daí vem o quadro de horror, de guerrilha urbana sem posições definidas, que estamos vivendo. Já não se pode parar num cruzamento sem que se esteja correndo perigo de vida…

“Não sou de generalizar, Sei que há exceções.Mas quero falar do jeito que vou falar. Os políticos e governantes dizem uma coisa em público e, às sombras, agem em benefício próprio. Essa impunidade não pode continuar assim – livre, leve e solta. E esse disparate social tem de acabar. Todo brasileiro deve obrigatoriamente ter o mínimo para viver com dignidade. Casa, comida, assistência médica, um salário justo, educação… Se não for assim, vamos viver sempre nessa montanha russa. Só que subindo cada vez menos e afundando mais e mais.”

E mais o homem não disse porque tudo já dissera. Despediu-se com um sorriso.Falou algo a respeito de esperança em dias melhores. Olhou atentamente para o carro da reportagem. Avaliou que seria personagem da próxima edição, mesmo não respondendo a única pergunta que lhe fiz:

— O que o senhor acha do plebiscito de 21 de abril?

Gazeta do Ipiranga – 26.03.1993 –
* Quem está comigo na foto é a Ana Elisa,
que estudou comigo na ECA/USP