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Maria

Todas as mulheres deveriam se chamar Maria. É o que eu penso. Maria de Lourdes, Maria de Fátima, Maria do Carmo, Maria Conceição. Quer dizer, poderiam ir além das referências às prováveis aparições, bençãos e santificação de Nossa Senhora. Seriam então Maria Carolina, Maria Antonieta, Maria Inês. Ou ainda poderiam inverter nome e prenome, como Tânia Maria, Rosa Maria, Amanda Maria, Ana Maria. Poderiam até se chamar duas vezes Maria. Assim, Maria Maria.

Enfim, já me daria por feliz se fosse uma única Maria. Simplesmente Maria…

Não sei o porquê. Mas acordei com essa idéia ‘mariana’ a batucar em minha cabeça. Veio talvez da noite mal dormida ou de algum trecho dos livros que ontem, em vão, tentei ler. Não consegui concentrar minha atenção em nada além de cinco linhas. Jornais e revistas também não me apeteceram – e hoje franzi a testa quando os vi chegar. Tanto as revistas de informação em suas novas edições como os baitas suplementos de domingo dos jornalões. Eu os recolhi da portaria, como manda o politicamente correto, mas os deixei no hall de entrada.

Tão cedo não passo por ali.

II.

Talvez por isso me veio essa indesculpável falta de assunto. A bem da verdade, de algum tempo, trago escondida essa vontade de escrever sobre esse tema que, em última análise, atinge a todas as mulheres – e especialmente a uma.

Será?

Também não sei. Mas, imagino que pode ser assim. Faz parte do ofício de escrever. É natural de quem lê. Ou não? Deixe-me explicar. Ou pelo menos tentar, pois acabo de reler o parágrafo e ficou vaga a idéia que quero passar.

III.

Então…

Quem escreve imagina estar falando com todo mundo. Mas, enquanto digita palavra após palavra, idéia após idéia, vai focar uma só realidade, um só assunto, como se tivesse um único interlocutor. Assim dá coerência à conversa. Dá sentido ao que escreve.

Ao menos, comigo acontece isso – apesar de que raras vezes dou algum sentido ao que escrevo.

Quem lê faz o caminho inverso. Propõe-se a se inteirar do que é de interesse comum. Porém, se o texto o seduzir, envolve-se pela narrativa e logo se vê como parte da história. Dá pitacos, faz analogias, discute o próprio dia-a-dia. Pode rever opiniões ou referendar ideais, contra ou favor ao que divaga o autor.

Não vou dar exemplos. Quero voltar a falar de Maria…

IV.

Acho que já lhes contei que tive uma noite insone. Outra daquelas. Minha cabeça latejava e resolvi sair da cama. Fui, feito sonâmbulo, para a sacada do apartamento, olhar a cidade que – em tese – dormia. Engraçado, gosto dessa sensação. Da silhueta dos prédios ao redor, do colar de luzes esmaecidas, do movimento esparso de veículos. Da noite que traz certa magia, principalmente se não precisamos acordar cedo para trabalhar na manhã seguinte.

Foi por esses labirintos que me enredei nos becos da minha imaginação. Revivi ou delirei a cena de um encontro casual que me fez rir e trouxe uma certa sensação prazerosa. Mesmo que nada parecesse real…

Vou tentar descrevê-lo…

V.

Numa clara manhã do passado ou do futuro que se fazia presente, eu seguia pela sinuosa Ladeira do Porvir. Ia leve e solto a ouvir, no rádio do carro, os blues do Djavan. Não pensava em nada propriamente. Apenas acompanhava o que o poeta dizia…

E ele diz cada coisa. Versos bonitos. Parecem feitos sob medida para alguém muito, muito especial. Aliás, uma característica de todas suas canções. Só pode ser. Tão claras as imagens que os versos sugeriam. Mas, também falava para todos que poderiam estar vivendo ou viveram ou certamente viverão aquela situação.

Não sou lá de dirigir. Não me apraz. Porém, naquele instante, quando embiquei na Alameda dos Sonhos, me sentia confortável ao volante de um carro antigo, que não era o meu. Mas, me deixava com ares de O Grande Gatsby – belo romance, que Robert Redford levou às telas do cinema.

Vejam a minha pretensão. Djavan, Redford e eu…

Só falta Maria.

VI.

Vamos em frente. Custa nada um pouco de fantasia em nossas vidas. Ainda mais numa madrugada de sábado para domingo, com um feriadão de permeio e a nos espreitar uma segunda feroz.

A música, o carro conversível e a alameda que se abria iluminada à minha frente. Cenário perfeito para que Maria aparecesse.

Olho pelo retrovisor, fração de segundos, e ei-la quem surge ao volante de um jatomóvel futurista. Vem logo atrás de mim. Fico na dúvida, e custo acreditar. De onde saiu? Há tanto que aguardo notícias? Será miragem?

Estou djavaneando. Só pode… Quem é essa tal Maria que chega nesta manhã, como se nada soubesse, mas tudo entendesse de mim?

VII.

Tive que ser enérgico comigo mesmo. Pois mesmo no Reino dos Encantos temos que respeitar as leis de trânsito e a necessária sinalização. O carrinho estava sem rumo e o motorista, um sonso, sem controle…

— Quer prestar atenção no que está fazendo – disse para mim mesmo.

Obediente, toquei o carro para a pista da direita. A dos quietos e dos pacatos.

Aprendi na estrada da vida.
Evitar acidentes é dever de todos.

VIII.

Foi exatamente nesse instante que chispou um raio prateado à minha esquerda. Só vi o clarão. Pareceu uma espaçonave, voando baixo, rumo ao Sem Rumo, onde tudo é possível, desde que seja Maria…

Olhei de novo pelo retrovisor. Não vi mais ninguém.

À minha frente, sim. Da nave, que segue célere, um braço me acena e dá adeus. Parece ser alguém que me conhece e que andou bem perto de mim. Tão perto…

Não há como alcançá-la. Mas como esquecê-la?

Até parece que tive um sonho bom dentro de um sono reparador no sofá da sala.

IX.

Foi isso – ou quase.

Desperto com o corpo doendo, mas de alma lavada e enxaguada em bons presságios. Para mim e para você. Porque sei que seu nome é…

Guardarei esse segredo, Maria.

Aliás, de algum modo, todas as mulheres mereceriam ser chamadas de Maria – pois, são elas que dão sentido ao sonho e à vida. Ou para que então existiriam o poeta e a poesia?