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Drummond e o pacto social

"Há muitas razões para duvidar e uma só para crer" (Carlos Drummond de Andrade)

01. Mesmo com atraso de uma semana. Quero registrar aqui o centenário de um notabilíssimo brasileiro, o mineiro de Itabira, Carlos Drummond de Andrade. Se vivo, o poeta completaria 100 anos na quinta-feira da semana passada, dia 31. Mais do que a justa e modesta homenagem, valho-me da frase acima para dar o tom do "Caro Leitor" de hoje.

02. A razão é simples. A idéia de Drummond me parece cabível ao momento político e social que ora vivemos. Depois da onda Lula que se ergueu num oceano pacífico de esperanças, pipocam aqui e ali notícias que nos dão conta de uma realidade pouco afeita às marolas e veranicos. Aquela lista que tão bem conhecemos e que inclui, aumento de tarifas públicas, reajuste dos combustíveis, instabilidade da moeda, inflação em alta, desemprego e outras tempestades prontas a açoitar o casco dessa imensa embarcação chamada Brasil.

03. É certo que o presidente Fernando Henrique Cardoso revelou-se um estadista — como os amigos gostam de lhe chamar — neste momento de transição e abriu o Palácio do Planalto para a equipe do futuro presidente já ir se inteirando do tamanho do abacaxi. Aliás, em grande estilo, FHC fez um balanço das duas gestões ao editor-chefe e apresentador do Jornal Nacional, William Bonner. Mostrou como é árido o caminho da governança, relatou feitos e criticou aos que se arvoram a prometer o impossível durante a campanha. Esqueceu, porém, de dizer que ele também para se eleger andou pelos palanques com a mão espalmada a alardear as cinco metas de sua administração: saúde, educação, moradia, trabalho e segurança. Efetivamente, não é esse o legado que vai deixar para o sucessor — e esse restinho de governo vem demonstrando nem a dura e crua realidade brasileira.

04. Mas, como diria José Serra na campanha, escondendo a condição situacionista, vamos falar do futuro, já que estamos com um pé nesse novo tempo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é useiro o vezeiro em falar em pacto social. Pressupõe um amplo — e inédito — entendimento do todos os segmentos sociais em prol do desenvolvimento social. Vale lembrar dos detalhes, diria, importante: há uma série de interesses em jogo (alguns absolutamente antagônicos), e, de outro modo, a idéia não é nova: remonta aos idos dos anos 80 quando o então ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, tentou em vão emplacá-la.

05. De início, entende-se que há pontos comuns entre os diversos setores. A grosso modo, trabalhadores e empresários concordam em temas como reforma fiscal, reforma da previdência, apoio à pequena e média empresa, flexibilização das leis trabalhistas e ênfase ao setor produtivo para geração do novos empregos. A discussão desses temas, certamente, vai revelar proposituras distintas de ambas as partes — e será preciso uma grande dose de desprendimento para que se chegue a um denominador comum que beneficie a todos. Aí, vai pesar a luz do presidente que deverá ser o coordenador desse amplo debate nacional. Para começo, tem uma grande pedra no seu caminho. O pessoal do Movimento dos Sem Terra (MST) já disse que não vai parar com a ocupação das fazendas.

06. Sobre o pacto social de Amir Pazzianotto é triste, mas importante, lembrar que o próprio Partido dos Trabalhadores tratou de inviabilizá-lo por considerá-lo conservador demais. Um motivo, como se vê, abrangente demais e que certamente pensava mais na sobrevivência do partido do que propriamente no bem do Brasil. Tomara que a postura irredutível não encontre respaldo nos dias atuais — e que os partidos hoje demonstrem o pensar grande que o PT não revelou naquela ocasião.

07. Contradições a parte, vamos, pois, fazer valer a frase do poeta. Esperar que os homens se entendam e acreditar nesse novo Brasil que saiu das urnas.