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Os fatos da semana e a fila do restaurante

"A vida e a arte de tirar conclusões suficientes a partir de dados insuficientes" (Samuel Butler)

01. Podia ser com qualquer um de nós; pais zelosos, mães corujas. Não há como prever o certo ou errado quando os rebentos caem na vida — e isso, mais cedo ou mais tarde, queiramos ou não acaba acontecendo. Aí, o peso das nossas palavras e recomendações perdem o tom de verdade absoluta que é como as impregnamos sempre que tergiversamos sobre a vida para com os filhos. Não podemos usar, neste caso, a muleta da miséria para desculpar os desvios de uma sociedade doentia em que os valores humanitários foram substituídos pela compulsão de ser materialmente feliz a qualquer custo. Mesmo que seja à base de um crime hediondo. Mesmo que seja por minutos, segundos… Não há como dizer que eram pais ausentes. Que não lhe ofertaram carinho e atenção. Que não queriam o melhor para ela e o irmão mais novo. Na manhã chuvosa desta quarta-feira estava prevista a reconstituição do crime que abalou um País destroçado por tanta violência. Fez também — e principalmente — com que cada um olhasse para dentro de si próprio, se estarrecesse e perguntasse: para onde caminhamos?

02. O presidente Fernando Henrique Cardoso viajou — uma emblemática rotina em seu mandato. Esteve em Portugal para compromissos protocolares. Como de hábito e costume, mostrou-se elegante em seus passos e palavras. Mostrou-se feliz como sucessor, com quem aliás se encontrou na noite anterior à viagem num jantar no Palácio da Alvorada. E disse estar tranqüilo: ambos concordam em muitas questões. Fez uma discreta ressalva, ou melhor duas: o presidente-eleito precisa ter sob controle as alas mais radicais de seu partido (que como se sabe não é o de FHC) e evitar o populismo, uma adorável tentação para quem chega ao Poder, mas que pode comprometer toda uma administração. Ele não disse, mas pode se depreender de suas palavras que, mesmo priorizando os projetos sociais, o novo governo terá de adotar medidas de austeridade — e francamente impopulares, como a preservação da alíquota de 27,5 no imposto de renda — para não desbalancear as contas públicas. O presidente FHC é mesmo um grande analista da cena política — na verdade, o sociólogo e diplomata nesses oito anos de mandato sempre se revelaram melhor do que o presidente de fato que todos os brasileiros sonharam ter.

03. De olho na alta dos juros e no índice de desemprego. Os economistas recomendam uma alta nos juros para conter a instabilidade do dólar e os movimentos cada vez mais insidiosos do monstro da inflação. Eles explicam: o mercado internacional de capitais está fechado para o Brasil. Ou seja quem tem grana no mundo não está interessado em investir no Brasil por conta de fatores internos (como a transição presidencial; que vem sendo bem conduzida, todos reconhecem) e esternos (a eventualidade de uma guerra sem-fim no Iraque). O País precisa deste dinheiro para dar conta do seus compromissos junto ao Fundo Monetário Internacional — algo em torno de 2 bilhões de dólares. Mas, se elevar os juros, contém o consumo, o que emperra a indústria e o comércio. Nesta toada, não é difícil perceber aonde vamos chegar. Pior, já chegamos: desemprego, desemprego, desemprego. Ontem, a Federação das Indústrias de São Paulo divulgou que, em outubro, o nível de emprego na indústria atingiu os piores índices desde 1995.

04. Uma mega operação da Polícia Federal de Goiás desmantelou um amplo esquenta de roubos de carros e cargas que agia em sete estados do país, incluindo São Paulo, Minas e Mato Grosso. A força-tarefa reuniu 200 policiais da PF e fez 28 prisões — vinte delas em Goiás, onde foram presos sete policiais que trabalhavam na Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos Automotores. A iniciativa dá um alento ao brasileiro de que nossas autoridades policiais possam virar o jogo da violência urbana e, sobretudo, a pior das violências: aquela que é institucionalizada. Competência, não lhes falta.

05. Olharam-se como se há tempos não se vissem. Conversaram amenidades. E riram um riso constrangido de quem, em algum lugar do passado, fora mais do que hoje é. Certamente aquele era um encontro casual, desses que o destino prepara para que se possamos avaliar o que se fez e o que se deixou de fazer. De repente, esqueceram do almoço convencional com os colegas de trabalho e se deixaram ficar no corredor entre as mesas, com o prato na mão, como só acontece na fila do restaurante self-service. Ali, naquele instante, com o olhar brilhante de quem quer o impossível, não havia tragédia, presidente que saí, presidente que entra, juros, desemprego, polícia e ladrão. Não havia nada além da vontade de ficar, mas tinham de ir embora que amor e poesia são imprescindíveis, mas não enchem barriga. E o mais grave: a fila andou.